Justiça restaurativa foi o tema da segunda parte da tribuna livre da sessão desta quarta-feira (23). O juiz da 3ª vara criminal e de execuções penais de Joinville, João Marcos Buch, trouxe o tema para apresentá-lo aos vereadores.
Trata-se de uma abordagem complementar ao sistema judiciário, que busca trazer às pessoas presas uma outra dimensão de responsabilização e àquelas que tenham sido suas vítimas uma forma de reparação, por meio de profissionais que permitam um contato humanizado com o fim de reduzir os conflitos sociais.
O uso da justiça restaurativa já está previsto desde 2016 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas ainda não tinha sido implementado em Santa Catarina, conforme o magistrado. O modelo, porém, deve ser iniciado em Joinville em breve, com a participação de profissionais ligados à Pastoral Carcerária, explicou.
Para viabilizar a justiça restaurativa, reuniões entre o Judiciário, o sistema prisional e a entidade da Igreja Católica já estão em andamento desde o início deste ano. O magistrado veio à Tribuna Livre a partir de sugestão do vereador Luiz Carlos Sales (PTB).
A complementaridade entre a justiça tradicional e a justiça restaurativa ocorre porque “não há espaço para a vítima [na justiça tradicional]. O papel da vítima, quando é uma vítima que sobrevive, é prestar depoimento, duas, três, quatro vezes, num processo terrível. E a vítima acaba só tendo esse papel. E depois ela acaba, quando ela vai embora, sem saber se a pessoa foi absolvida, se foi condenada, se foi solta, se foi… A lei determina que seja informada, mas isso acaba não acontecendo, então o papel da vítima acaba sendo relegado”.
Como o magistrado explicou, os presos que poderão participar dos círculos restaurativos ainda serão selecionados. O juiz explicou que pessoas presas por conta de pequenos frutos ou pequenas quantidades de droga, que compõem a maioria da população prisional, podem não ter uma vítima tão direta que possa participar das ações da justiça restaurativa, o que é diferente em casos como os de homicídio ou tentativa de homicídio.
Para explicar esse foco nos casos envolvendo vítimas mais diretas, Buch detalhou:
“Quando eu encontro uma pessoa que está cumprindo pena por homicídio… Essa pessoa é condenada a 15, 20 anos de pena, e ela vai ficar ali se o crime for hediondo, 12, 13, 14, 15 anos fechada, ela me diz assim, sem generalizar, obviamente, mas algumas experiências que eu já tive: ‘Dr. João Marcos, eu já estou aqui há dez anos, daqui a pouco eu vou sair e eu quero fazer isso, eu quero fazer tal coisa, eu quero retomar minha vida porque eu terei pago minha dívida’. [João Marcos fez uma breve pausa] Mas no íntimo dela, no coração dela, ela não entendeu que a dívida é eterna porque ela tirou a vida de uma pessoa, às vezes em um feminicídio… Não entendem o mal que causaram. No momento que retornam para a sociedade é ‘eu quero ser feliz, quero retornar ao meu trabalho porque a minha dívida eu já paguei’. Óbvio, legalmente já pagou, mas essa sensibilização de dizer ‘escuta, meu caro, você não percebeu a tragédia que você causou? Então vamos ver como fazer você perceber’.”
Durante o tempo partidário, vários vereadores destacaram a proposta da justiça restaurativa. Lucas Souza (PDT), por exemplo, propôs que os parlamentares façam uma visita às unidades prisionais de Joinville. Henrique Deckmann (MDB) afirmou que o objetivo de todas as ações de segurança deve estar em reduzir a criminalidade. Cassiano Ucker (Cidadania) destacou que ações como as da justiça restaurativa são necessárias para a evolução da sociedade.
Sales, que sugeriu ao magistrado apresentar o tema aos vereadores, destacou a preparação da Pastoral Carcerária joinvilense para a atuação na justiça restaurativa e afirmou que o trabalho que for realizado na cidade será referência no Brasil.
Presidente da Casa, Maurício Peixer, aliou uma visão religiosa a seu comentário sobre a apresentação do juiz. “Como dignidade humana, como cristão, temos que confiar em não devolver o tapa na outra face, mas sim em oferecer a outra face para poder sim restaurar, para dar dignidade”, disse.