A posição das cadeiras pode refletir no posicionamento de alguém? Voltei com essa dúvida da atividade da Câmara Mirim realizada na tarde da quinta-feira (5). Nela, os vereadores mirins experimentaram um debate no qual as cadeiras estavam dispostas de uma forma bastante distinta.
Postas de frente umas para as outras, as cadeiras conduziam a um arranjo em que os defensores de uma proposta fiquem de um lado e a oposição a ela, do oposto, encarando-se. Esse é o british parliamentary debate style ou estilo de debate parlamentar britânico.
Em vários grupos ou sociedades de debates ao redor do mundo esse modelo é aplicado. São sorteados entre os participantes as posições, contrária ou favorável, em que vão falar sobre um tema previamente determinado. E sim, há muita possibilidade de o participante se ver tendo de defender uma ideia sobre a qual é contrário em princípio tendo de ver à sua frente a defesa daquela em que acredita.
A explicação de como ocorreria ainda não tinha acontecido, mas os mirins captariam rápido.
– Debate é onde várias pessoas colocam suas opiniões para outras pessoas para serem debatidas!, – com a mão erguida apressou-se a responder o mirim Nicolas Bombazar, do Colégio Santo Antônio.
Nesse momento, ainda dispostos no formato de sala de aula, vereadores mirins agitados nas fileiras da frente tentavam definir o que era debate. Mesmo os que estavam mais distantes pareciam ter uma definição própria, capaz de complementar o que outro colega acabara de dizer.
– Cada um defende sua ideia e no debate é possível chegar em uma síntese – foi como imaginou o debate o mirim Eros de Freitas Marinho Pacheco dos Reis, da E. M. Dr. Abdon Batista.
O formato “sala de aula” é aplicado em alguns parlamentos, entre eles a Câmara dos Deputados, em Brasília. Também a Duma, o parlamento russo, usa esse formato. A Organização das Nações Unidas, em suas assembleias gerais, também usa esse formato.
Nas sessões da Câmara Mirim, no Plenário da CVJ, os jovens parlamentares ficam dispostos de forma triangular – de um triângulo equilátero, para ser mais preciso –, no qual a Mesa Diretora possui um lugar elevado em relação aos demais e no qual é vista por todos. É a mesma posição da contraparte adulta. É como está desenhado o Plenário.
Mas, naquela atividade, seriam dois grupos com quatro mirins cada um. Um grupo, a defesa; o outro, a oposição. Os demais tomariam posição como os julgadores do debate, a quem caberia avaliar o uso dos argumentos.
– Eu queria ser da oposição! – pontuou Eros, antes mesmo de saber qual tema seria debatido.
– Eu quero ser juiz! – declarou Nicolas.
Pelo menos nove mirins queriam tomar parte no debate. Quando o grupo dos participantes ficou definido em oito, os demais mirins foram ocupando suas posições como juízes, enquanto a secretária legislativa Luana Santos de Oliveira, que coordenava a atividade, fazia entre os demais o sorteio das posições que ocupariam.
O tema do debate era “Esta Câmara Mirim defende a proibição de músicas funk no Brasil”.
O nome técnico de um tema, num debate desses, é “moção”, mas para não conflitar com a já aprendida noção de moção como documento que expressa uma ideia de um parlamentar, Luana usou a expressão “tema”.
– Proibição?!; não! Quero mudar para a oposição! – protestou Erika Batista Cunha, da E. M. Nelson de Miranda Coutinho; acompanhada pelo colega Eros, que não se viu contemplado estando do lado da defesa da proibição do funk.
– Lamento. O sorteio foi esse – determinou Luana, explicando que o exercício tinha a função precisa de levar os mirins a se porem também na posição do outro.
O grupo de defesa, além de Erika e Eros, era composto também por Ana Paula Mendes, do Colégio Machado de Assis, e Bianca Retzlaff, da E. M. Prof. Zulma do Rosário Miranda.
Já o de oposição tinha os mirins Nadine Frehner (E. M. Emílio Hardt), Caio Santiago Simas (Colégio Tupy), Felipe Padilha Lubawski (E. M. Pref. Luís Gomes) e Geovana Kaufmann (E. M. Prof. Thereza Hreisemnou).
A Ana Paula caberia iniciar o debate, delimitando o tema. A Geovana, terminá-lo, retomando o que foi dito pelos demais.
Tudo parecia pender para uma argumentação mais fácil da parte do grupo de oposição.
O juiz Nicolas, agitado, brincava por vezes até de dar toques com a campainha que os vereadores usam para chamar a atenção em um debate. Uma distração.
Os dois grupos caçavam argumentos para o debate.
“Empregos”.
“Proibidão”.
“Filtros”.
“Objetificação”.
“Mulheres”.
Inúmeros conceitos surgiam. Alguns escreviam pequenos discursos. Outros pediam celulares para poder pesquisar argumentos na internet. Anotações. Diversas. Aqui e ali.
– Antes de mais nada, não é nosso objetivo proibir todo tipo de funk, mas apenas aqueles que denigrem a mulher; isto é, nosso foco é no “proibidão” – declarou Ana Paula, abrindo o debate.
A abertura deu o tom de toda a discussão.
Nadine, a falar pela oposição, leu um texto no qual observava que uma proibição conduziria a protestos em virtude da tradição que o funk já possuía. Bianca, pela defesa, pontuou que as letras conduziam a uma visão na qual a mulher é vista e tratada como um objeto.
– O funk movimenta uma economia muito grande – Caio trouxe argumentos econômicos –, movimenta R$ 10 milhões por mês e emprega mais de 10 mil pessoas, o que não se pode esquecer num país com mais de 13 milhões de desempregados.
Erika, pela defesa, tornou a focar na restrição apenas do funk do tipo “proibidão”, o que não levaria a uma perda de empregos tão massiva, no que foi reforçada pelo colega Eros, que observou que o funk nasceu nos subúrbios dos Estados Unidos como modo de protesto. A intenção da proposta seria filtrar apenas aquele tipo que leva à objetificação da mulher.
– A gente concorda com a defesa – concluiu, laconicamente, Geovana, depois da fala de Felipe que também concordava com a defesa.
– É difícil defender algo que você não acredita – observou Ana Paula, que foi presidente da Câmara Mirim durante o primeiro semestre – mas de alguma forma é uma forma de ouvir.
Detendo-se à questão dos argumentos, Luana então pontuou para os participantes:
– A lógica do debate é você não deixar furo; é preciso que o argumento venha com estrutura, com fatos, com lógica.
Empolgados, os mirins seguiram o debate, dessa vez já sem considerar as posições sorteadas, e falando sobre o funk em geral. Mãos, de três a quatro, se levantavam a cada fala.
– Gente! Vocês querem mais um debate, é? – perguntou Luana.
– Sim! – responderam alguns sem titubear.
Foi então que Ana Paula declarou:
– Quero mais aulas e até um clube de debates!
Texto: Jornalismo CVJ, por Sidney Azevedo / Fotos: Sabrina Seibel