por Patrik Roger Pinheiro
Historiador (registro 181/SC), servidor da Câmara, mantenedor do projeto Memória CVJ.
__________________________________________________________________
Em 1907, durante a 7ª legislatura da Câmara de Joinville, na primeira república, a política da cidade estava polarizada entre Francisco Tavares Sobrinho e Abdon Baptista. O primeiro, um pernambucano, bacharel em direito, que veio para Santa Catarina para atuar ora como promotor, ora como juiz. O segundo, nome mais conhecido em Joinville, foi vereador, prefeito, vice-governador do Estado, deputado federal e senador.
Com o clientelismo formado entre os coronéis e barões do mate, Abdon liderava um grande grupo com interesses econômicos e políticos em comum. No entanto, Abdon também fazia inimigos, que com a partir da segunda metade da década de 1900 se agruparam ao redor de Francisco Tavares Sobrinho.
Possuir jornal aliado para atacar ou se defender de acusações, nesse período, era primordial. Apesar de haver jornais em língua alemã nessa época, este artigo analisa a guerra travada entre os dois de língua portuguesa surgidos em 1905: A Gazeta de Joinville, de propriedade de Eduardo Schwartz, e o Commercio de Joinville, jornal orientado por Abdon Baptista.Por um bom tempo, Schwartz foi inimigo ferrenho de Abdon.
Essa batalha entre jornais também se refletia na Câmara e no executivo. O superintendente municipal (cargo comparável ao de Prefeito) era Oscar Schneider, aliado e sócio de Abdon Baptista. Porém, a Câmara era presidida pelo próprio Francisco Tavares Sobrinho e secretariado por Otto Boehm, outro desafeto de Abdon. Com política e imprensa polarizadas, os enfrentamentos não demorariam a ocorrer.
![](https://i0.wp.com/camara.joinville.br/wp-content/uploads/2025/02/Eduardo_schwartz.png?resize=452%2C659&ssl=1)
Primeiro Round: O Caso da Demissão de Salvador Corrêa
A Gazeta Denuncia Abdon: Em 1907, o professor Orestes Guimarães viera de São Paulo para comandar o Collegio Joinville e revolucionar o ensino na cidade. Entre as muitas ações tomadas por Orestes estava a dispensa de Salvador Corrêa, para poder contratar um auxiliar formado no novo método que seria por ele aplicado. Mas acontecia que Salvador Correa era colaborador de Schwartz na Gazeta e escrevia numa seção chamada “Miscelânea”, usando o pseudônimo de Theodoro. Salvador, no entanto, fazia alguns comentários um tanto ácidos que alvejavam Abdon Baptista ou seus correligionários.
Mas, diante da ameaça de demissão da escola, feita por Abdon Baptista, Salvador recuou e decidiu não mais colaborar com Eduardo Schwartz, porém, mantendo amizade com este e frequentando inclusive a casa do proprietário da Gazeta. Segundo Schwartz, Abdon Baptista ainda estava insatisfeito com Salvador e decidiu dar um corretivo nele por manobrar enfim a sua demissão do novo colégio municipal.
O Commercio vem em Defesa de Seu Chefe: Para replicar a denúncia de Schwartz feita no seu jornal, o Commercio de Joinville informou que Abdon tratara realmente com Salvador Corrêa sobre sua participação no jornal de Schwartz, mas o motivo da reprimenda não era que Salvador trabalhava para um jornal do adversário, mas sim, que um professor público não devia usar sua habilidade de escrita para achincalhar nomes de vulto da cidade em seções de humor.
Por isso, o “Theodoro” acabou sumindo da Gazeta de Joinville em 1906. O Commercio de Joinville publicou ainda os ofícios em que Orestes Guimarães pedia à superintendência municipal a dispensa de alguns “adjunctos”, sendo três mulheres e Salvador, que tinha menos tempo de casa do que os demais. O critério para a dispensa era, segundo o Commercio, impessoal e originado nas necessidades de Orestes Guimarães e não nas vinganças de Abdon Baptista.
Salvador Corrêa Confirma o Relato da Gazeta: Mas, Salvador disse que não foi bem assim como o Commercio afirmava. No sábado seguinte à defesa de Abdon, Salvador Corrêa publicou na Gazeta uma declaração onde ratificava que Abdon Baptista havia realmente dito que ele deveria optar, ou por continuar a escrever para a Gazeta, ou pelo cargo de professor. Segundo Salvador, a perda de seu emprego foi vingança sim.
Segundo Round: Cala-te ou Morres
Em abril de 1907, os jornais Gazeta de Joinville e Commercio de Joinville voltaram a efetuar, respectivamente, ataque e defesa de Abdon Baptista e associados. Os funcionários da Gazeta informaram que uma autoridade pública viera alertá-los que corriam risco de vida por estarem incomodando os elementos políticos locais. Porém, aquele jornal declarou que “o tempo do ‘calla-te ou morres’ já havia passado”.
Quem supostamente teria feito a ameaça era o capitão de polícia João Lobo. Ao Commercio de Joinville, ele posteriormente alegou que foi apenas avisar a Gazeta que a atitude agressiva e provocadora desse jornal poderia causar justa indignação, e pediu para serem mais comedidos para evitar consequências que poderiam ser ruins. Lobo afirmou que nada disse sobre autoridades políticas locais ou sobre risco de morte.
Terceiro Round: O Caso do Cocheiro de Guilherme Walther
A Gazeta Denuncia Abdon Novamente: Outro evento que rendeu acusações foi quando o cocheiro de Guilherme Walther foi acusado de ter atropelado uma pessoa na esquina do Clube Joinville (Atual Casa Sofia) e recebeu voz de prisão. A Gazeta então publicou que, não sendo seus editores testemunhas oculares do atropelamento, indagaram como foi o corrido.
Testemunhas disseram a eles que o carro vinha “no trotar natural do animaes”, ou seja, em velocidade normal, e com farol aceso. Ao dobrar a esquina, o cocheiro recebeu voz de prisão de diversas pessoas lideradas por Abdon Baptista. Depois, o cocheiro pôde observar que uma pessoa bêbada estava caída, não podendo permanecer de pé devido à embriaguez, mas que não tinha ferimentos. A intenção do jornal era implicar Abdon Baptista numa cena de prisão injusta. Se a acusação era merecida ou não, hoje fica difícil apurar, mas é claro que viria a defesa.
O Commercio vem em Defesa de Seu Chefe, Novamente: Alexandre Ernesto de Oliveira tratou de replicar o caso do atropelamento, dizendo que era verdade que aquele carro esbarrara num homem na já referida esquina, e que os ali presentes mandaram o cocheiro parar. Como o homem não parou, Oliveira deu-lhe voz de prisão. O carro andou mais 100 metros, sempre sob protestos de que parasse, quando Abdon também repetiu a voz de prisão e a ordem de que parasse, o que só então o cocheiro o fez.
Quarto Round: O Baile
A Gazeta Denuncia Abdon, Outra Vez: Na mesma edição que tratou do caso do cocheiro, a Gazeta disse, que tendo sido agendado um baile para o dia 30 por alguns rapazes da cidade, Abdon Baptista mandou chamar um dos responsáveis, Eugenio Machado da Luz, para proibir a realização do mesmo. O motivo era que o Clube Joinville queria promover seu baile na mesma data e local, o Salão Walther. Esse rapaz aquiesceu, mas os demais não cederam e realizaram o baile a despeito do pedido (ou ordem) de Abdon, fato que a Gazeta celebrou.
“Era só o que faltava que até para divertimento se lhe houvesse de pedir licença” disse o jornal. “Que coisa Ridícula! Só mesmo dando uma gargalhada.” Completou.
O Commercio vem em Defesa de Seu Chefe, Outra Vez: Por esse texto, a Gazeta foi processada por Abdon Batista. A resposta veio no jornal Commercio de Joinville, trazendo declarações dos envolvidos. Eugenio Machado da Luz, funcionário público, negou que Abdon tinha tentado proibir o baile, mas afirmou que o Abdon comunicou a ele o estranhamento que lhe causara que Eugenio, mesmo sendo membro da diretoria do Clube Joinville, tentasse concorrer com outro baile no mesmo local e data que o ele sabia que o Clube Joinville daria o seu baile.
A Gazeta Contra-Ataca: No mesmo sábado que o Commercio publicava as declarações acima, a Gazeta imprimia outras declarações, de pessoas que diziam que Eugenio Machado da Luz realmente tinha lhes falado da proibição de Abdon Baptista quanto ao baile. Entre os declarantes estava Pompilio Guerreiro, que disse que Eugenio lhe passara o dinheiro e o encargo da realização do baile porque, segundo o próprio Eugenio, Abdon o proibira de prosseguir com o intento.
Quinto Round: Até Você, Comissário?
Na sua edição de 20 de abril de 1907, a Gazeta narrou um encontro do seu proprietário, Schwartz, com o comissário de polícia, capitão Lobo, ocorrido no dia 14 de abril, um domingo. Segundo o jornalista, Lobo mostrou-lhe o número anterior da Gazeta e perguntou-lhe se ele se responsabilizaria pelo seu conteúdo. O número anterior daquele jornal ainda lidava com o caso do cocheiro, mencionando Lobo em luz desfavorável, já que este apoiava a versão do Commercio de Joinville.
Schwartz respondeu ao comissário que o lugar para dar satisfações não era aquele e se disse surpreso pela atitude do capitão Lobo. Depois disso, um filho de Lobo desafiou Schwartz para uma luta corporal e ocorreram bate-bocas. Dando um passo atrás, desintencionalmente, Schwartz pisa o pé de Eudoro, filho de Abdon Baptista, que o empurra, até que veio a turma do “deixa disso”.
O fato motivou telegramas enviados ao governador por Schwartz e seu redator, Crispim Mira. Importante lembrar que Abdon era, nesse momento, ninguém menos que o vice-governador de Santa Catarina. A resposta do governo veio mediante Henrique Lessa, o prefeito de polícia, orientando ao subdelegado Lobo que usasse de moderação nos seus atos.
E depois?
Enquanto o Commercio buscava ignorar o jornal adversário algumas vezes, a Gazeta continuou espezinhando Abdon e seus correligionários. As provocações não pararam aí, mas este artigo, sim!
Fontes:
Gazeta de Joinville, 1907: Edições de 13 de fevereiro, 23 de fevereiro, 9 de março, 6 de abril, 13 de abril e 20 de abril.
Commercio de Joinville, 1907: Edições de 2 de março e 13 de abril.