A  Comissão Municipal da Verdade (CMV) tem reunião hoje, às 19h, no Plenário da Câmara. Será o segundo encontro de uma série de cinco; o primeiro foi na semana passada (foto).  A comissão é coordenada por Luiz Henrique Lima, representante do Poder Executivo. A ideia é reunir informações sobre as ações da Operação Barriga Verde, executada em Santa Catarina em 1975.

A OAB recebe informações e indicações de pessoas afetadas pela operação neste site. 

No encontro da semana passada, a opção por ouvir primeiramente as mulheres se deu como uma forma de homenagem, conforme Maikon Jean Duarte, representante do Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Brás (CDH). Segundo ele, é preciso muito cuidado para convidar as depoentes, já que muitas não querem lembrar dos sofrimentos pelos quais passaram ou por temerem falar sobre o assunto.

Há mais de 80 casos registrados de prisões politicamente motivadas em Joinville e região entre 1964 e 1985. Maikon observa que há poucas pesquisas acadêmicas sobre o assunto.

A sistemática das audiências segue o modelo das realizadas pela Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright (CEV-SC) e pela Comissão Nacional da Verdade: os depoentes são convidados a falar o que viveram e sabem sobre as ações repressivas da ditadura e depois respondem às perguntas dos membros da comissão, em geral esclarecimentos sobre nomes, fatos e lugares.

A CMV deverá encaminhar seu relatório final à CEV-SC, em novembro. Outras quatro audiências serão realizadas nos dias 8, 15, 22 e 29, às 19h, no Plenário da Câmara. As reuniões podem ser acompanhadas no site da Câmara, na guia TV & Rádio.

A comissão de Joinville é a única em âmbito municipal no estado. Foi idealizada por entidades de defesa dos direitos humanos, como o CDH e o Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos de Joinville (IDDH) e formalizada com o apoio dos vereadores da Comissão de Participação Popular e Cidadania.

A CMV é composta também por membros do Poder Executivo, do Legislativo, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de instituições de ensino superior do município.

DEPOIMENTOS

Lúcia Schatzmann, a primeira depoente da noite

Lúcia Schatzmann, casada com Edgar Schatzmann

Alguns dias antes do natal de 1975, Edgar, que trabalhava na recepção de uma metalúrgica, foi encapuzado por dois homens e levado para o 62º Batalhão de Infantaria, era o padrão da Operação Barriga Verde em Joinville. Lúcia, assim que soube, foi atrás de informações sobre onde estaria Edgar.

Não era a primeira vez que Lúcia passava por essa situação. Em 1971, Edgar foi preso e levado para a penitenciária do Ahú, em Curitiba, onde ficou por dois anos. Lúcia fez o trajeto de Joinville a Florianópolis e de Joinville a Curitiba diversas vezes, tentando localizar Edgar, mas sem sucesso. Foi ameaçada de morte por militares em algumas ocasiões. Lúcia afirma que chegou a dormir na praça Rui Barbosa, em Curitiba, tendo algumas poucas fatias de pão por alimento, durante a luta para encontrar o esposo.

“Em mais de uma ocasião os pais do Edgar se sentaram à mesa para fazer as refeições, e as lágrimas rolavam e caíam no prato porque eles não sabiam onde o filho estava”, disse Lúcia.

Em 1975, Lúcia encontrou a casa revirada. “Tudo que fosse livro de história foi levado, se tivesse uma faixa em vermelho”. Naquele mês de dezembro, ela foi atrás das esposas de outros presos políticos e as apoiou na busca por informações de seus companheiros. Nessa busca, ela e as demais esposas contaram com o apoio da Câmara e da Prefeitura, com o transporte e a alimentação, respectivamente.

Edgar foi solto em 26 de outubro de 1976. Mas nunca houve motivo ou justificativa oficial do porquê da detenção. Lúcia não chegou a sofrer nenhuma agressão física, porém, vê na tortura psicológica uma marca mais grave.

Maria Domingos, a segunda depoente da noite

Maria Damásio Zeferino Domingos, viúva de Waldemar João Domingos.

A prisão de Waldemar foi em 12 de dezembro de 1975. Na ocasião, ele trabalhava na fundição Tupy. Ele ficou em Florianópolis, “detido para averiguação”, como Maria ressaltou em mais de uma vez a resposta oficial dos militares, por nove meses e 20 dias. Ele estava na Colônia Penal, juntamente com Edgar e outros presos de Joinville, além daqueles de Criciúma que estavam com eles.

Maria não sabia, até então, do envolvimento do marido com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Mesmo depois da prisão, Waldemar se referia ao partido como “organização”. O casal, vindo do sul do estado, já tinha vivido em São Paulo e em Criciúma, antes de chegar a Joinville. Maria ficou surpresa também de saber que Edgar tinha sido preso antes de 1975. Segundo ela, Lúcia não chegou a contar para as demais mulheres sobre a primeira prisão de Schatzmann.

Solto na mesma data que Edgar, Waldemar faleceu em 1988, tendo a bebida e o trauma da tortura como algozes. Maria conta que Waldemar nunca dividiu o que passou, preferindo calar-se a falar sobre.

Como colaborar?

Aqueles que quiserem colaborar com a CMV, podem entrar em contato com os membros pelos e-mails:

Representação da OAB: comissaodaverdade@oabjoinville.org.br
Luiz Henrique Lima, coordenador da CMV: luizhlima@hotmail.com
Rossana Cunha, secretária: rossana.cunha@gmail.com
Maikon Jean Duarte, relator: maikon.jean.duarte@gmail.com

Fotos de Daniel Tonet/ Texto de Sidney Azevedo. 

 

 

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