A Comissão Municipal da Verdade (CMV) ouviu ontem depoimento de três pessoas que vivenciaram a repressão da época da ditadura militar. Foram ouvidos João Fachini, que participou da implantação de comunidades eclesiais de base em Joinville, o padre Luiz Fachini e o professor Edésio Ferreira Filho, que teve seu pai preso.
Foi a penúltima audiência pública da CMV de uma série de cinco. A próxima será na segunda-feira, às 19 horas, na Câmara de Vereadores de Joinville.
Leia trechos dos depoimentos:
Edésio Ferreira Filho
“Quando fiquei sabendo do paradeiro do papai, ele [Édesio Ferreira] já estava em Florianópolis na penitenciaria e eu fui visita-lo, foi bastante triste. Ele dizia ‘eu me sinto uma barata’. Não deu pra conversar muita coisa. As outras visitas que eu fiz foram em Canasvieiras. Isso foi em novembro. Em janeiro era distribuição de aula. Fiquei com poucas aulas. Comecei a perder as aulas. Não podia ajudar minha madrasta, não podia ajudar meu irmão. Para visitar meu pai em Florianópolis eu tinha que juntar os tostões”.
“Ele nunca falou de tortura física, de machucar. Eu lembro que falou de cela com forte cheiro de inseticida. A tortura era assustá-lo em relação às crianças”.
“Sobre ser seguido e sondado, entre os colegas de trabalho eu acredito que não. As pessoas eram muito solidárias, era uma família conhecida. Eu costumava vir a Joinville pelo menos uma vez por mês nas quintas-feiras à tarde onde frequentava um grupo de estudos em metafísica. Duas ou três vezes eu senti a mesma pessoa parada do outro lado da rua como se tivesse me observando”.
João Fachini
“Quero lembrar o Dom Gregório Warmeling. Houve um episódio em que foi celebrada uma missa no tempo da ditadura. Uma das leituras seria do Pedro Ivo Campos. O pessoal da ditadura falou que ele era de oposição e não podia ler. O Dom Gregório era um visionário. E disse: ‘vocês mandam lá e eu mando aqui’. Uma grande coragem do bispo Dom Gregório”.
“Posso fazer relatos muito mais de medos que a gente sofreu do que propriamente do que repressão […] Vindo da Espanha, tendo contato com as leituras da teologia da libertação. O padre Luiz já estava na comunidade, morando em um bairro e não mais na casa paroquial, foi no mês de agosto de 1973. Como jovem cheio de esperança de fazer um trabalho junto a comunidade. Começamos o trabalho junto com o povo[…]. Isso atraiu os olhares da ditadura, mas nada de muito especial. Relato mais os medos que nós passamos. Um dia o Dom Gregório telefona pra paróquia e diz ‘olha vai ter um P2 aí que vai questionar vocês, vai fazer a ficha de vocês’. Aí o Luiz e eu dissemos: ‘o que nós podemos fazer é não entrar em contradição. Nós não tínhamos ligação nenhuma com nenhum partido. E tomar o máximo possível de controle para que a gente não entrasse em nenhuma contradição. E realmente começamos a mostrar a igreja. O homem que veio nos entrevistar estava tremendo e branco porque também era da comunidade católica daqui de Joinville. Ele dizia: ‘olha eu vou cumprir o meu papel porque se não vão me reprimir também’. Nós mostramos aquelas pinturas da igreja que não eram nem um pouco sugestivas ao regime e tudo foi destruído depois. Um dos medos foi esse”.
Luiz Fachini
“Tivemos ameaçados de morte, tivemos um pouco no exílio. Éramos tachados de comunistas, como baderneiros, éramos tidos como padres rebeldes. Mas isso não nos atingiu de cheio e nem nos desanimou e nem nos tirou da intenção primeira da fidelidade à verdade”.
“Éramos denominados comunistas, vermelhos etc. O fato real foi que um dia o Dom Gregório falou pra mim: ‘sai daqui hoje que querem te matar’. Aí decidi ir para a Suiça, onde fiz o mestrado em teologia”.