Mais de 200 pessoas compareceram ao Plenário Arinor Vogelsanger na noite desta quinta-feira (28) para participar da audiência pública organizada pela Comissão Especial das Pessoas em Situação de Rua. Vereadores da comissão ouviram representantes de vários segmentos sociais, como associações de classe, estudantes de psicologia, conselheiros municipais e representantes do poder público.

Como frisado em vários momentos pelo presidente da comissão especial, o vereador Pastor Ascendino Batista (PSD), a finalidade da audiência foi o recolhimento de manifestações da população. Além dele, estiveram presentes na reunião os vereadores Adilson Girardi (MDB), Mateus Batista (União Brasil), Neto Petters (Novo) e Instrutor Lucas (PL). O presidente da Câmara, o vereador Diego Machado (PSD), também acompanhou parte da reunião.

Manifestações

A primeira a falar foi a munícipe Ana Bittencourt, que trouxe para a audiência a sensação de insegurança. “Eu saio de manhã muito cedo, então eu atravesso o centro, então a gente tem que andar olhando para todos os lados”, comentou. Ela acrescentou que a segurança que a motivou a vir para Joinville “tem sido vilipediada porque a gente está na rua e a gente, por várias vezes, é abordada por essas pessoas”. Para Ana, essas pessoas “precisam ter tratamento psiquiátrico, tratamento como dependente químico”.

Representando o Conselho Regional de Psicologia, Ematuir Teles de Souza destacou que o órgão profissional vem acompanhando os projetos de leis sobre internação involuntária para a população em situação de rua sem e questionou a ausência de representantes da própria população em situação de rua. Ematuir ainda observou que a questão envolve “problemáticas de ordem social, tal como a desigualdade social, o neoliberalismo, a pobreza, a miséria, as opressões higienistas e racistas, entre outras tantas formas de violências”.

Ainda na mesma linha, a estudante de psicologia Beatriz Goulart criticou a busca de uma internação involuntária como tratamento para pessoas em situação de vulnerabilidade. Para ela, esse é o “movimento e a busca dessa comissão”. Em referência a um livro da jornalista Daniella Arbex sobre as mortes em massa ocorridas no hospital colônia de Barbacena (MG), ela afirmou: “Não deixaremos Joinville se tornar o berço de um novo hospital-colônia”.

Pelo Conselho da Cidade, Antônio Maurino Fagundes usou o microfone para observar que, em 1974, quando veio para Joinville, não sabia o que eram transtornos como a depressão e que “a gente de rua praticamente não tinha”. Ele defendeu que a Prefeitura e o empresariado local se unam para investir mais em formação para a população em situação de rua. “Eles são inteligentes, são bons, mas eles estão no fundo do poço, e muita gente até de poder já caiu nesse poço”, comentou.

Representante da comunidade Eis-me Aqui, Maria Rosenilda de Souza Oliveira, destacou que há sim oportunidades na cidade, mas ponderou que “se eles [pessoas em situação de rua] chegarem sujos, mal-vestidos, cabelo por fazer e ainda sem endereço e bater no recursos humanos [de uma empresa], será que eles conseguem um emprego de verdade?” A comunidade possui caráter religioso e Rosenilda ainda acrescentou: “Amar o Cristo do sacrário também é fácil. Basta eu sentar um pouco lá, me ajoelhar e dizer ‘Jesus, eu te amo’. Mas olhar um Cristo sujo nas calçadas, isso é complicado.”

O munícipe Carlos Alberto Piaz, que se apresentou como pastor-presidente da Igreja Evangelica Exército de Cristo, pediu informações sobre um ofício que protocolou na Prefeitura a partir de sua proposta de um “Programa Integrado de Atendimento Social”. A ideia dele é que o município crie uma “comunidade terapêutica para essas pessoas em situação de rua, onde a prefeitura poderia dispensar ali psicólogos, psiquiatras, e fazer um trabalho de atendimento social para encaminhar para lá as pessoas interessadas em realmente se ressocializar”. Piaz acredita que “essas pessoas em situação de rua poderiam produzir os seus próprios alimentos” e que poderiam receber formação para trabalhar em setores.

Pela Associação de Moradores do Bairro Bucarein, Nelson de Oliveira Junior trouxe imagens de construções abandonadas na região. “Em Joinville, temos muito desse tipo de construções, em que se perdeu o uso, o pessoal esvaziou e deixou lá sem ninguém cuidando. Então, o que acontece? Começa a cair telhado, quebram-se portas e o pessoal aproveita para invadir. Invadir para quê? Não é só para dormir lá dentro. Se faz muitos delitos dentro dessas construções.” Nelson ainda pontuou os casos de incêndio.

O munícipe Reginildo Silva relatou como foi sua experiência ao ser internado compulsoriamente no Hospital Regional Hans Dieter Schmidt e destacou sua raiva com o serviço do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). “Fiquei dez dias naquele lugar (Regional) e quando eu voltei pra casa, eu tive que fazer empréstimo pra poder pagar as minhas contas, porque nos dias que eu fiquei no hospital ninguém pagou as minhas contas. Disseram que era pra eu ir lá tomar só um medicamento, mas me deixaram dez dias internado na ala psiquiátrica do hospital regional contra a minha vontade.”

Representante do deputado estadual Padre Pedro (PT), Francisco de Assis Nunes parabenizou a Câmara pela criação da comissão especial, mas ponderou que, embora muito se discuta as calçadas de Joinville, “muitas vezes se esquece de discutir o ser humano que está ali nessa calçada”.

O presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comsean), Otanir Mattiola, criticou um esvaziamento das políticas públicas de atendimento da população de rua em todo o estado de Santa Catarina: “Quando atacam uma política pública como o restaurante popular, dizendo que dá comida para pessoas em situação de rua, você está facilitando a vida dela em ficar lá, nunca vão testar para ficar no lugar dela e ver como ela vive”. Segundo ele, uma redução da política pública vai acarretar mais população em situação de rua. “A gente tem que ter mais política pública para essa população, para fazer com que ela não chegue a essa situação que está”, afirma.

Representante da Câmara de Digirentes Lojistas na reunião, o advogado Guilherme Cauduro, que também é presidente do Conselho da Cidade, afirmou que a associação de classe recebe “relatos que nos chegam diariamente de comerciantes que não conseguem abrir o seu negócio, têm dificuldade de pagar o salário dos seus funcionários, o imposto que paga sim o serviço público, porque tem um morador de rua, todo defecado diante do comércio.” Cauduro ainda pontuou como o grande público, embora com visões diferentes sobre a questão, reivindica uma solução.

Representando o sindicato patronal do comércio, o Sindilojas, Carlos Grendene pediu ao público para “se colocarem no lugar do comerciário”. Grendene afirmou que a solução vai ser encontrada com “calma” e união entre poderes públicos e privados para “melhorar a situação de cada família, porque ninguém nasce pedindo para ser aquilo que está na calçada”.

Como o poder público está vendo a questão

Embora o gerente de cidadania e direitos humanos da Secretaria de Assistência Social, Robson Richard Duvoisin, estivesse na plateia, ele se apresentou como morador do bairro Iririú e pontuou que “não é meramente ofertando emprego que você vai resolver o problema, porque não é este o problema. Se você verificar o censo da população em situação de rua, (..) ele nos diz o quê? A grande maioria desses moradores de rua não foram atraídos pra cá porque Joinville é o ‘eldourado brasileiro’, a ‘Manchester’… A questão de população em situação de rua está em todo o país, basicamente na mesma proporção.” Ainda usando o documento como referência, Robson afirmou que “a maior causa das pessoas estarem na rua é em primeiro lugar, uso do álcool e conflito familiar.”

A gerente da Unidade de Proteção Social da Secretaria de Assistência Social, Mônica Marcomini, falou sobre os profissionais do ramo do atendimento à população em situação de rua, porque “é um desafio encontrar pessoas que têm empatia e sensibilidade com a causa, que respeitem as pessoas que estão de rua. Ter pessoas que permaneçam nesse serviço também, no Serviço de Abordagem. É um trabalho árduo. Como os próprios vereadores já viram, que foram visitar, a gente ficou bem feliz por vocês estarem acompanhando, porque é isso que a gente precisa. Muito trabalho está sendo feito, mas pessoas julgam por não conhecer.”

Já o secretário de Segurança Pública de Joinville, Paulo Rigo, aproveitou a audiência para fazer esclarecimentos sobre a questão dos imóveis abandonados. “Eu diria que o principal culpado do imóvel abandonado é o próprio proprietário que abandona, às vezes vira espólio de família ou é um imóvel tombado e aí não tem interesse em
recuperar, prefere que fique lá até, de alguma forma, ele ser destruído”, explicou, relembrando que, antes de uma alteração feita no ano passado ao Código de Posturas (Lei Complementar 84/2000), o município não podia fazer muita coisa para intervir nesses imóveis.

Rigo explicou que já há quase uma centena de imóveis que já passaram por avaliação. Primeiro, a Seprot, que gere também a Guarda Municipal, faz um relatório sobre o imóvel. Quando é questão de estrutura física, entra a Defesa Civil, esse relatório é encaminhado à Secretaria de Meio Ambiente (que cuida das notificações e fiscalizações) e este órgão, por sua vez, vai comunicar ao proprietário. Rigo observou que “isso tem um trâmite, tem um lapso de tempo, é comunicado ao proprietário e as ações do município vão desde a interdição do imóvel colocando tapumes ou similares, até, dependendo do caso, a demolição”.

Avaliação dos vereadores

O relator da comissão especial, o vereador Mateus Batista (União Brasil) afirmou que a comissão está analisando “o que está dentro da legislação federal e municipal e equipamentos que estão instalados aqui na cidade que são definidos pela Política Nacional de Assistência Social”. O parlamentar ainda acrescentou: “Joinville é a única cidade segundo o Tribunal de Contas do Estado, que tem todos os equipamentos da assistência social aqui e é por isso que nós somos os únicos com possibilidade de fazer internação involuntária que está prevista em lei”.

Secretário da comissão, o vereador Adilson Girardi (MDB) pontuou que entende que a comissão especial já tem resultado palpável. “Eu diria até mais do que algumas CPIs que aconteceram ao longo dos anos.”, afirmou.

O presidente da comissão, Pastor Ascendino Batista (PSD) observou que uma das principais constatações da comissão é que “a maioria das pessoas não quer sair das ruas; há uma grande resistência; querem permanecer onde estão; negam ajuda”. O vereador compreende que isso ocorre porque “a maioria deles recebe bolsa família, e isso faz com que eles continuem nas ruas, alimentando os seus vícios”. O vereador também reforçou o entendimento de que as pessoas e as instituições devem ser orientadas a não dar alimentos às pessoas em situação de rua.

Ascendino ainda defende que a legislação precisa ser alterada. “A força de segurança faz o seu trabalho, muitos estão na rua tem problemas com a justiça tem mandato de prisão (…) por que a polícia vai lá, prende, mas amanhã estão soltos.” O vereador ainda pontua que já está preparando um projeto de lei em âmbito municipal para proibir o consumo de bebidas alcoólicas em lugares públicos.

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