O bairro Aventureiro recebeu a mais recente das audiências públicas da Comissão de Educação sobre os projetos de lei que propõem medidas para tornar as escolas e CEIs de Joinville mais seguros. Embora uma série de ações estejam presentes nos textos dos projetos, uma vez mais foi o debate sobre a presença ou não de armas de fogo nas escolas que mobilizou a discussão na Escola Municipal Senador Carlos Gomes de Oliveira.
Foi a audiência com maior presença de público, chegando a quase 250 pessoas acompanhando a reunião, entre alunos, pais de alunos, professores, gestores escolares, servidores municipais, líderes comunitários, assessores parlamentares e moradores do bairro. Assim como nas audiências já realizadas nos bairros Costa e Silva, João Costa e Pirabeiraba, manifestações com diversos argumentos a favor e contra os projetos foram realizadas na audiência.
A audiência foi presidida pelo vereador Brandel Junior (Podemos) e, além dos autores das propostas, foi acompanhada também pelos vereadores Cleinton Profeta (PL), Érico Vinicius (Novo), Henrique Deckmann (MDB) e Nado (Pros). Pelo governo municipal estavam presentes os secretários de Educação, Diego Calegari, e de Segurança Pública, Paulo Rigo. O comandante da Guarda Municipal de Joinville, Eduardo Ferraz, e o representante da Polícia Militar, o capitão Bruno Pietrobon, completaram a mesa de autoridades.
Textos que deram origem à audiência, os projetos de lei 56/2023 e 57/2023 foram protocolados na esteira do ataque realizado à creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau. O atentado foi há pouco mais de um mês, resultando na morte de quatro crianças e no ferimento a outras cinco. Entretanto, uma peculiaridade torna a realização da audiência na escola que sediou a audiência pública muito significativa.
Em 30 de março, circulavam pelas redes sociais mensagens que falavam de um perfil de Instagram que estaria planejando um atentado à escola. O ataque em Blumenau foi em 5 de abril. O contexto em que se deu a ameaça já estava tensionado na ocasião. Vale lembrar que, em 27 de março, um ataque a uma escola de São Paulo resultou no assassinato de uma professora.
A Prefeitura, na ocasião, divulgou nota informando que o perfil que deu origem às ameaças direcionadas para a escola tinha apenas cinco seguidores e fez publicação desmentindo o boato que surgiu sobre as ameaças. “Não há qualquer tipo de ameaça real à escola, estudantes ou servidores”, afirmou o Poder Executivo na ocasião.
Essas circunstâncias, no entanto, explicam porque pais de alunos estavam mais enfaticamente a favor da medida. Como exemplo, Stefany Pacheco, que tem dois filhos estudando na escola Senador, observou que havia um grupo de whatsapp por meio do qual um conjunto de quase 200 pais se comunicavam com frequência e que, entre esses pais, alguns se dispuseram a se organizar para pagar um guarda armado que ficasse na escola.
Jaciara, por outro lado, disse que as famílias estavam se revezando para fazer uma vigília permanente nas proximidades da escola. Nas rondas dos pais, contou ela, encontraram um usuário de drogas nas proximidades de um muro da escola. “Ficamos aterrorizados, vai que ele entra na escola”, disse.
Diretora da Escola Municipal Eladir Skibinski (também no Aventureiro), Viviane Hreisemnou Ribeiro, pediu que os pais refletissem que “ter uma arma na escola pode resultar em armar a facção”.
A diretora da Escola Municipal Presidente Castello Branco (Boa Vista), Maria Ivonete Werner, pontuou que “a escola é um prédio, mas que o que a torna um espaço de vida são os seres humanos”. Para resolver a situação, Ivonete sugeriu uma mudança no investimento público: “Em vez de investirmos em armas, é preciso investir em saúde, educação e emprego”.
Cientificidade
Silva ainda frisou em seu momento de fala que o problema debatido tem como raiz uma sociedade que “está doente”. “A sociedade está doente, os pais estão doentes, os professores estão doentes, os diretores estão doentes também”, disse.
O secretário Calegari, por sua vez, retomou uma argumentação que já usa desde o início da discussão da segurança em escolas. Trata-se de discernir a sensação de segurança da realidade de segurança. Esta última, observou ele, seria quantificável e relativa às chances reais de um evento acontecer. Todavia, o secretário de Educação argumentou que a sensação é de caráter subjetivo e não necessariamente corresponderia à realidade, mas que é preciso que as medidas contemplem tanto a realidade quanto a sensação de segurança.
Líderes comunitários
O conselheiro da cidade Antonio Maurino Fagundes pontuou ser contra a presença de armas em escolas. “No contexto de décadas atrás talvez se pudesse pensar nisso como um dado da realidade”, disse. O conselheiro ainda deu um testemunho pessoal ao citar que a presença de armas resultou em morte de familiares. Já os líderes comunitários Osvaldo Visentainer e João Rinaldi manifestaram preocupação com a presença de armas em escolas.
Os estudantes
Não apenas pais trouxeram essa preocupação com segurança. A aluna Laís Malheiros disse em seu breve discurso lido que nenhuma atitude foi tomada. E finalizou perguntando às autoridades: “É preciso que aconteça em Joinville para que seja feita alguma coisa?”
Além de Laís, outros três jovens foram ao microfone da audiência pública. São três os estudantes do bairro que integram o programa Câmara Mirim.
Também estudante da escola Senador, o mirim Kevin Barbosa Campos apresentou uma lista de reivindicações que elaborou ao conversar com seus colegas: a colocação de cercas sobre os muros, a mobilização de mais guardas, a instalação de mais câmeras, entre outras ações.
Já o mirim Gustavo Starke, estudante do Colégio Católica Machado de Assis, desenvolveu uma argumentação que enfatizou o uso da gentileza e do respeito como formas de tornar a sociedade mais justa. Ao fim, posicionou-se contra a presença de armas em escolas.
Por fim, a mirim Juliana Valentini, aluna do Colégio Santo Antônio, reforçou um pedido apresentado pelos secretários de Educação e de Segurança Pública para que pais fiscalizem a atividade que seus filhos têm na internet, para estarem presentes de forma a evitar a proximidade a grupos que possam estimular esses ataques.
Tramitação
Em debate estão o PL 56/2023, de autoria do vereador Wilian Tonezi (Patriota) e o PL 57/2023, do vereador Claudio Aragão (MDB). Entretanto, os projetos não se reduzem à previsão de armas em escolas, e trazem outros aspectos referentes à contratação e disponibilidade dos armamentos e medidas de segurança como a exigência de detector de metais, o levantamento de ocorrências de violência em escolas, medidas de mapeamento de riscos à saúde mental, entre outras situações.
As propostas estão apensadas (isto é, tramitam em conjunto nas comissões da Câmara) e já têm um parecer técnico da Consultoria de Legislação, com 27 páginas de análise, recomendando a rejeição dos projetos por desconformidade ao princípio da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Federal Complementar 101/2000) que exige a apresentação de estimativa de impacto financeiro. Caso a estimativa seja apresentada, os projetos podem seguir, mas o parecer recomenda a elaboração de um substitutivo global (um texto unificado), excluindo da proposta do PL 56/2023 as exigências dos levantamentos, por exemplo.
Ainda assim, o vereador relator da Comissão de Legislação não necessariamente precisa concordar com o parecer técnico, podendo apresentar leitura diversa do encaixe dos projetos com a Constituição e as demais leis em vigor. As propostas estão sob análise do vereador Neto Petters (Novo), que solicitou a elaboração do parecer pela consultoria.
Caso seja aprovado pela CCJ, o texto ainda precisa enfrentar as comissões de Finanças, de Educação e de Proteção Civil.