A Comissão de Educação promoveu uma audiência pública na última terça-feira (20) sobre possíveis alterações no Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec) e sobre o andamento da proposta de concessão do espaço da Cidadela Cultural Antárctica.

Os vereadores da comissão ouviram representantes da associações culturais que atualmente ocupam espaços físicos da Cidadela, bem como cineastas, artistas plásticos, músicos, atores e trabalhadores da cultura em geral sobre o tema.

A Secretaria de Cultura e Turismo também (Secult) esteve no encontro, bem como o representante do consórcio que está fazendo a análise para viabilizar uma parceria público-privada (PPP) na Cidadela.

A comunidade cultural está preocupada com o impacto da redução no percentual do Simdec destinado ao Fundo Municipal de Desenvolvimento pela Cultura em relação ao que é destinado ao Mecenato, mas também manifesta preocupação com as garantias de manutenção do caráter cultural da Cidadela em uma PPP.

A audiência foi realizada a partir de solicitação da vereadora Vanessa da Rosa (PT). Acompanharam a audiência o presidente da Comissão de Educação, vereador Alisson (Novo), e os vereadores Lucas Souza (Republicanos), Vanessa Venzke Falk (Novo) e Henrique Deckmann (MDB).

Vereadores em audiência pública que debateu Simdec e Cidadela/ Mauro Schlieck/CVJ

Cidadela

As dúvidas mais urgentes dizem respeito à mudança de local da Associação Joinvilense de Teatro (Ajote) e da Associação de Artistas Plásticos de Joinville (Aaplaj). Durante o ano passado, as instituições receberam um comunicado da Secult de que deveriam desocupar o espaço até junho de 2025.

Na audiência, quem falou pela Ajote foi a vice-presidente, Larissa Reimer. Ela relembrou que a Ajote aceitou a proposta de mudança para uma sala no complexo da Estação da Memória, entre Bucarein e Floresta. A Ajote inclusive chegou a bancar a realização de um estudo acústico do espaço.

Porém, há ainda muitas incertezas para a Ajote, conforme Larissa. Entre as mudanças, ainda não há definição sobre como será o abastecimento de água e energia elétrica, bem como parte dos itens que a instituição exigiu em acordo com a Secult para a mudança ainda estão em processo de licitação pela Prefeitura. Conforme Larissa, ainda não há um prazo bem definido para a chegada do material, necessário para a formação de um palco.

Sem essas certezas, o cronograma da Ajote para o segundo semestre está prejudicado, afirmou Larissa.

A Ajote utiliza há décadas um espaço da Cidadela conhecido hoje como Galpão de Teatro da Ajote. O espaço é um dos palcos que está sendo utilizado, neste momento, para a realização do Festival de Teatro de Joinville (Festejo), que conta com apresentação de grupos teatrais de todo o país.

Todavia, a situação mais dramática é a da Aaplaj. A instituição ocupa há duas décadas um dos edifícios da Cidadela, o mais próximo ao Parque das Águas, que transformou em um espaço com três salas de exposição, além da existência de um ateliê utilizado por mais de 80 artistas plásticos associados, incluindo escultores que utilizam forno de cerâmica para finalização de peças em argila.

O problema é que nenhuma das alternativas oferecidas pela Prefeitura atende à estrutura que a instituição construiu no espaço existente hoje na Cidadela. Em reunião realizada há dois meses na Câmara, a presidente da associação, Vera Lucia Pereira destacou que entre os espaços oferecidos estava uma casa enxaimel na entrada de Joinville pela rua Ottokar Doerffel, que, além de contar com um espaço reduzido, ainda não poderia abrigar o forno de cerâmica.

Na audiência, Vera reafirmou que a Aaplaj quer participar do processo de elaboração da PPP desde já, e não apenas nas futuras audiências públicas a serem organizadas pelo consórcio. Segundo Vera, nesse momento “já estará tudo pronto”, sem chance de maiores discussões.

Sobre o processo de concessão, o secretário de Cultura e Turismo, Guilherme Gassenferth, que foi o primeiro a ter a palavra na audiência, afirmou que a modelagem para a PPP da Cidadela ainda “está em fase de estudos; uma fase muito final, mas ainda uma fase de estudos”. Ele também pontuou que não pode fazer apresentações porque não poderia prometer que “vai ter, sei lá, uma escultura rosa, e depois não ter”.

Gassenferth ainda afirmou que defende fazer o modelo de concessão da Cidadela em respeito à vocação cultural, de arte e até gastronômica, em razão de ter sido uma cervejaria.

A última cerveja fabricada no local data do final dos anos 1990, quando a gaúcha Bebidas Antarctica Polar (dona do espaço depois da Antárctica Paulista) encerrou a fabricação e vendeu a propriedade para a Prefeitura de Joinville, então gerida por Luiz Henrique da Silveira, para a criação de um espaço cultural.

A vocação estaria no edital, disse Gassenferth. Mas estaria como algo a ser mantido “preferencialmente”.

O representante do consórcio que está elaborando os estudos para a Cidadela, Elifas Holodniak, chamou a Cidadela de “joia incrustada com potencial para se tornar um dos maiores espaços culturais do mundo”. Holodniak afirmou que esta é a 17ª concessão em que trabalha e a 12ª por meio do BNDES e destacou que nenhuma durou 24 meses ou menos.

Elifas ainda pontuou que o consórcio precisa projetar cenários econômicos viáveis para 35 anos. “O primeiro desafio é torná-la interessante”, afirmou, falando sobre a dificuldade que será encontrar um investidor para bancar o processo. Ele ponderou que, sem vida, os espaços não têm uso, e que gostaria de contar com as associações como “indutores e catalisadores” de movimento.

Ao final da audiência, a vereadora Vanessa da Rosa concluiu que, diante de todas as informações, entende as preocupações que motivaram a audiência pública têm fundamento, e lamentou a saída antecipada de Elifas.

Público se manifesta em audiência/ Mauro Schlieck/CVJ

Simdec

Sobre o Simdec, a vereadora Vanessa da Rosa destacou ao trazer os motivos da audiência pública que há duas preocupações principais. A primeira é uma possível alteração nos percentuais aos dois sistemas de financiamento cultural municipal.

Atualmente, metade da verba do Simdec é destinada ao Fundo Municipal de Desenvolvimento pela Cultura, que consiste, digamos, em uma injeção direta de dinheiro nos projetos; enquanto a outra metade é destinada ao Mecenato, que consiste em uma verba que os artistas devem captar, por meio de renúncia fiscal de tributos municipais, indo de porta em porta de empresas e pessoas físicas.

Segundo Vanessa da Rosa, já existem sinais de que os percentuais seriam alterados para que apenas 20% da verba vá para o Fundo, enquanto 80% seja direcionada ao Mecenato. Para a vereadora, isso resultaria em um enfraquecimento dos projetos do sistema cultural que atende às comunidades dos bairros de Joinville, que não têm a estrutura necessária para a captação via mecenato e normalmente acessam o Simdec por meio do Fundo.

Outro vereador que sinalizou preocupação com essa alteração dos percentuais foi Lucas Souza (Republicanos). Embora o parlamentar entenda que os 20 anos do Simdec motivem uma revisão da legislação, isso não implicaria uma alteração tão drástica, que chamou de “retrocesso”.

Outro ponto de preocupação da parlamentar é que o grupo decisório quanto às verbas do Simdec poderia passar a não contar com a presença de integrantes da sociedade civil, sendo inteiramente formado por representantes do poder público. Para Vanessa da Rosa, isso representaria risco de os projetos ficarem à mercê da gestão da vez.

O secretário Guilherme Gassenferth destacou que a proposta de revisão do Simdec está ainda em debate, mas ainda não foi protocolada na Casa como projeto de lei. Ele adiantou que a Secult recebeu uma lista com 10 reivindicações do Conselho Municipal de Política Cultural, das quais apenas duas não seriam atendidas.

Entre as manifestações, uma das solicitações era para que o impacto do imposto de renda fosse reduzido nos projetos. Um cineasta destacou que dos R$ 67 mil que captou para a realização de um projeto, está precisando declarar R$ 17 mil, o que aperta significativamente o orçamento.

Sobre esse tópico, o vereador Lucas sinalizou que, quando o projeto chegar na CVJ, há possibilidade de se incluir a previsão de inscrição de projetos por MEI. Essa ideia foi realçada pela vereadora Vanessa Venzke Falk.

O professor Gabriel Chati recordou a necessidade de um Diagnóstico da Produção Cultural de Joinville que sirva de apoio para a elaboração das mudanças no Simdec. Chati recordou ainda que o diagnóstico foi um dos documentos que serviu de base para o adiamento da discussão sobre o Simdec há dois anos.

Ainda sobre o diagnóstico, a atriz e produtora cultural Letícia Helena pediu que o documento seja disponibilizado logo para a comunidade cultural e defendeu o fortalecimento do Fundo. E usou o seu próprio exemplo de alguém que pôde consumir e fazer no próprio bairro, no caso, o Itinga, por meio de projetos financiados via Simdec.

O maestro Rafael Daniel Huch não estava presencialmente na audiência, mas escreveu no chat que está preocupado “com a exclusão da sociedade civil no processo de decisão de avaliação e prestação de contas dos projetos”. Huch defendeu que a comissão tem que ser paritária na nova minuta da lei.

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