Os joinvilenses puderam conhecer hoje o relatório final da CPI que investigou o planejamento e a execução das obras de macrodrenagem do Rio Mathias. A leitura do documento, que tem 328 páginas, foi iniciada às 10h e foi concluída por volta das 18h40, com a votação e a aprovação às 18h51.
As supostas irregularidades mencionadas pela CPI poderão ser investigadas posteriormente pelo Ministério Público de Santa Catarina, pelo Tribunal de Contas do Estado e pela Receita Federal. As instituições são algumas das que devem receber a análise assinada pelo relator, o vereador Diego Machado (PSDB).
Uma CPI não pode condenar ou indiciar ninguém. O que ela pode fazer é concluir que há indícios de atos ilícitos praticados por pessoas físicas ou jurídicas e, a partir disso, sugerir a outros órgãos que analisem e promovam a responsabilidade civil e criminal, se for o caso.
Acompanharam a leitura os demais vereadores integrantes da CPI, o presidente, Wilian Tonezi (Patriota), o secretário, Neto Petters (Novo), e os membros Claudio Aragão (MDB) e Luiz Carlos Sales (PTB).
Relatório final
O documento aponta indícios de irregularidades em variadas fases da obra. Quanto ao período anterior às primeiras pás serem movidas para abrir o solo da região central, a CPI localizou supostas irregularidades em aditivos ao contrato da empresa que projetou a obra, Paralella Engenharia, e na elaboração de documento sobre as interferências.
A palavra “interferências” é especialmente importante no contexto da obra, pois se refere ao deslocamento de redes de água, esgoto, energia elétrica e gás. A CPI recebeu documentos da Caixa Econômica Federal, banco que financiou a obra, que exigiam a previsão da realização de obras de interferências.
“Esta etapa [obras de interferências] contemplava um levantamento de informações que na prática seria de extrema importância durante o início da execução das obras do Rio Mathias, vez que o local desta obra se trata de uma região central e antiga da cidade, (…) que se não realocadas adequadamente poderiam causar danos como: problemas no abastecimento de água e energia para os munícipes de toda a cidade”, escreve o relator.
Já sobre outro momento, 2013, quando ocorre a contratação da empresa para a execução da obra, o relator escreve: “concluímos que há provas suficientes para se constatar que a publicação do edital e a formalização dos contratos ocorreram sem projeto executivo completo, com falta de planejamento adequado, tendo relação direta com as causas de atraso na execução da Obra do Rio Mathias e os danos ao erário”.
Além disso, o relatório final também traz uma análise sobre uma possível irregularidade em uma alteração no edital, que resultou a redução do montante do valor da obra, que saiu de R$ 66 milhões para R$ 65 milhões, e uma alteração no capital social da empreiteira Motta Júnior, que subiu seu capital social para R$ 7 milhões, tornando-a apta a participar da disputa.
A partir dessa questão, os vereadores chegaram a discutir em alguns dos depoimentos uma eventual falta de capacidade técnica da empresa para a execução da obra.
Já no âmbito da obra em si, uma das principais conclusões da CPI diz respeito aos processos administrativos que envolvem a obra, iniciados a partir de 2016. O relator entende que há possíveis irregularidades “por conduta omissiva dos membros da Comissão de Acompanhamento e Julgamento e das autoridades hierarquicamente superiores”.
O motivo é que essas autoridades teriam responsabilidade “por retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública no poder-dever de punir o Administrado”. O mais extenso dos processos relativos à obra levou quase cinco anos da instauração à conclusão.
“Por certo, mesmo com a aplicação das penalidades e a consequente rescisão unilateral do contrato, o município ainda não obteve êxito em receber o valor de R$ 4.587.240,52, decorrente do seguro-garantia, bem como o valor de R$ 6.880.860,75 (seis milhões, oitocentos e oitenta mil, oitocentos e sessenta reais e setenta e cinco centavos), provenientes da penalidade de multa contratual, o que onera e causa ainda mais prejuízo aos cofres públicos”, pontua o relator.
Mencionados
São mencionados na conclusão do relatório final da CPI como possíveis responsáveis, entre outros, os ex-secretários municipais de Administração e Planejamento, Miguel Ângelo Bertolini, e de Infraestrutura, Romualdo França; e o ex-prefeito Udo Döhler. Também o ex-secretário de Administração da gestão Carlito Merss, Adelir Stolf, foi mencionado.
As empresas Paralella Engenharia, Motta Junior, Ramos Engenharia, Cobrape e PBLM também figuram na lista de pessoas jurídicas privadas que a CPI sugere que sejam investigadas. Também a Companhia Águas de Joinville é incluída na lista “pelo pagamento indevido relativo aos custos administrativos, de materiais e de serviços referentes a realocação das interferências das redes de água”.
Sobre esse ponto específico das redes de água, o relator entende que as falhas envolvendo as interferências custaram mais do que o previsto, “passando de R$ 1.500.000.000 que era previsto no Contrato nº 127/2014 para R$ 6.449.450,00 conforme informações prestadas pela concessionária”. O valor, conforme apuração da CPI, foi bancado pela empresa pública. A obra de interferência acabou “custeada pela população joinvilense, em um montante enormemente maior do que valor supostamente planejado e orçado pelo responsável pelo Projeto do Rio Mathias”, escreve.
A lista completa das pessoas físicas mencionados na conclusão da CPI do Rio Mathias e suas respectivas funções na época dos acontecimentos é a seguinte:
- Adelir Stolf – Secretário da Secretaria de Administração e Planejamento à época da aprovação do projeto;
- Antônio Adevaldo Daniel – engenheiro da Motta Junior Responsável pela obra;
- Carla Cristina Pereira – Coordenadora da UCP à época da licitação e aprovação do projeto;
- Daniela Civinski Nobre – Diretora-executiva da Secretaria De Administração e Planejamento à época da licitação e responsável pela assinatura do edital da Concorrência Nº 139/2013;
- Edu Franco – Responsável pelo projeto e sócio administrador da empresta Parallela à época da elaboração do projeto;
- Glauciane P. Gonçalves – Presidente da comissão especial da licitação do projeto e gerente de suprimentos;
- Jalmei José Duarte – Presidente da CAJ no início da execução das obras;
- Miguel Angelo Bertolini – Secretário da Secretaria de Administração e Planejamento à época da licitação e responsável pela assinatura do edital da Concorrência Nº 139/2013;
- Romualdo Theophanes de Franca Junior – Secretário da Secretaria de Infraestrutura à época da licitação e responsável pela requisição da obra que gerou a Concorrência nº 139/2013;
- Udo Döhler – Prefeito da cidade de Joinville à época da Licitação, que conforme oitivas e documentos acompanhou diretamente todos os atos relacionados a Concorrência nº 139/2013 e a execução da Obra do Rio Mathias.
A lista das pessoas jurídicas é a que segue:
- Consórcio Motta Junior Ramos Terraplanagem – Executora da obra;
- Empresa Paralella – Elaboradora do projeto;
- Cobrape e PBLM em consórcio – Fiscalizadoras do projeto.
Recomendações
A CPI também faz uma série de recomendações à Prefeitura para que os problemas causados pela obra não se repitam. Destacamos aqui as seguintes:
- Maior participação do Controlador Interno do Município em licitações e contratos;
- Reavaliação do planejamento de compras e licitações para fortalecer a transparência na fase interna dos processos licitatórios, a avaliação de necessidade de estudos complementares a projetos, e o trabalho colaborativo entre equipes responsáveis pelo edital setores requisitantes;
- Contratação de empresa especializada em perícia em obras de engenharia, para elaboração de laudo pericial e parecer técnico de engenharia;
- Descentralização dos Processos Administrativos para Apuração de Responsabilidade, atualmente concentrados na Secretaria de Administração e Planejamento.
Próximos passos
A CPI do Rio Mathias já encaminhou um Projeto de Resolução para aprovar o relatório final e as conclusões alcançadas pelo relatório final. Uma resolução tramita pela Câmara sendo debatida apenas pela Comissão de Legislação e, depois, pelo Plenário, em única votação.
Uma vez formalizado esse processo pela Casa, ocorre o encaminhamento formal para Ministério Público de Santa Catarina, Tribunal de Contas do Estado, Receita Federal, Prefeitura e outros órgãos públicos responsáveis.