Artigo escrito por Patrik Roger Pinheiro, historiador (Registro Profissional 181/SC), servidor público municipal e mantenedor do projeto Memória CVJ, que pode ser acessado em: memoria.camara.joinville.br.


Em 3 de novembro de 1930, Getúlio Vargas recebeu o poder das mãos da Junta Militar Provisória, tornando-se presidente da república e iniciando o período do governo provisório do que hoje chamamos de Era Vargas. Uma das primeiras ações de Vargas foi dissolver as casas legislativas por todo o país, desde o Congresso Nacional até as Câmaras Municipais.

Quais foram os reflexos destes acontecimentos nacionais na política de Joinville? Durante muito tempo, essa pergunta continuou envolta em incertezas.

Em sua Obra “Legislativo de Joinville – Subsídios para sua história”, os autores Ternes e Vicenzi (2000) declaram o seguinte sobre este período:

(…)não se conseguiu localizar um único livro de atas do período, nem qualquer outra documentação oficial. Inexiste documentação oficial ou particular em instituições pesquisadas como a Câmara de Joinville, Arquivo Histórico, Fórum da Comarca e até mesmo no Tribunal Regional Eleitoral.[1] 

A obra “Da Comuna aos Tempos Atuais: A História do Legislativo de Joinville” (2006) não acrescenta nada, sendo uma mera repetição da obra anterior em muitos sentidos. Se antes não foi possível localizar nenhuma documentação, já não é mais o caso. O Arquivo Histórico de Joinville mantêm em sua guarda as Atas do Conselho Consultivo, que substituiu a Câmara durante o governo provisório, de forma que hoje podemos apontar quem foram seus membros. Relacionando essas atas com a legislação federal então vigente, podemos atualmente descrever com muita certeza o que aconteceu em Joinville durante a Era Vargas.

Os prefeitos acumularam os poderes executivos e legislativos

A primeira fase da Era Vargas constituiu-se do governo provisório, que tinha esse nome porque deveria governar temporariamente por decretos, até a eleição de uma Assembleia Constituinte.

Com a dissolução das Câmaras Municipais, a Câmara de Vereadores de Joinville também encerrou suas atividades a partir do decreto nº 19.398, de 11 de Novembro de 1930. Como Joinville foi governada nesse período? Num primeiro momento, o prefeito Plácido Olímpio de Oliveira governou sozinho. Dizia o já mencionado decreto:

O interventor nomeará um prefeito para cada município, que exercerá aí todas as funções executivas e legislativas, podendo o interventor exonerá-lo quando entenda conveniente, revogar ou modificar qualquer dos seus atos ou resoluções e dar-lhe instruções para o bom desempenho dos cargos respectivos e regularização e eficiência dos serviços municipais. 

Como se pode notar, o prefeito acumulou as funções inerentes ao seu cargo com aquelas Comuns à  Câmara Municipal. Era muito poder local nas mãos de um só homem e isso mudaria a partir de 1931. 

Plácido Domingo de Oliveira, prefeito de Joinville na Era Vargas/ Arquivo Memória CVJ

O Conselho Consultivo 

A partir do decreto nº 20.348, de 29 de Agosto de 1931 foram criados os conselhos consultivos. Quem foram os primeiros conselheiros nomeados em Joinville? Dr. Carlos Gomes de Oliveira, Max Colin e o tenente Alire Borges de Carneiro. Carlos Gomes mais tarde seria senador, Max Colin foi prefeito de Joinville e o tenente Alire Borges seria depois lembrado pelos esforços dedicados à criação da atual Biblioteca Pública de Joinville.

Quem escolhia tais conselheiros? O decreto nº 20.348 rezava:

Art. 3º – Os Conselhos Consultivos Municipais compor-se-ão de três ou mais membros nomeados pelo Interventor da seguinte forma: 

  1. a) um a três, dentre os maiores contribuintes do município;
  2. b) um, indicado pelo prefeito municipal;
  3. c) um ou mais, de livre escolha do próprio interventor no Estado.

Mas qual era o papel de tal conselho numa época de autoritarismo? O período e o nome, “Conselho Consultivo”, podem sugerir que era meramente um grupo de pessoas que aconselhavam o prefeito Plácido Olímpio, alguém que ele podia consultar e depois tomar suas decisões discricionariamente. 

Não era o caso, pelo menos em teoria. O Conselho Consultivo tinha suas reuniões abertas ao público e as resoluções eram tomadas por maioria de votos. Então, Carlos Gomes, Max Colin e Alire Borges votavam e decidiam. Se a decisão saía por votação do Conselho, ele era deliberativo, não meramente consultivo. 

Na prática, é difícil acreditar que qualquer oposição pudesse sair desse arranjo, já que o prefeito era nomeado pelo interventor federal, portanto alinhado a este. Depois, prefeito e interventor indicavam os conselheiros; estes deviam seus cargos àqueles, estavam todos alinhados e amarrados uns aos outros. Mas nesse arranjo o prefeito já não decidia tudo sozinho, pois precisava passar pela aprovação do Conselho as resoluções que depois ele sancionaria.

Havia então um poder legislativo e um poder executivo? É um erro fazer tal afirmação. O Conselho Consultivo não tinha comissões nem discussões entre bancadas diferentes. Diferente de épocas anteriores, quando o prefeito de Joinville submetia suas contas à Câmara Municipal, no governo provisório quando o prefeito fazia um relatório anual, este era submetido à aprovação do Interventor Federal no Estado. E por quê? Porque não havia mais no município um poder independente, como uma Câmara, para o executivo efetuar sua prestação de Contas. 

Mas por que o Conselho Consultivo não fazia tal aprovação? Se assim fosse, seria como se um órgão aprovasse suas próprias contas. Isso porque os Conselhos Consultivos eram vinculados às prefeituras. Percebe-se claramente então que não há um poder legislativo à parte do executivo. Tal Conselho integrava a prefeitura, o que significa que a prefeitura passou a acumular os poderes administrativos e legislativos. O prefeito em si dependia do Conselho para criação de decretos-lei e aprovação de orçamentos, mas conselho e prefeito atuavam nas prefeituras, mais como uma repartição de atribuições do que como uma separação de poderes. 

Com o passar dos anos, tal Conselho mudou pouco. Com o tempo Joaquim Wolf e Rodolfo Alexandre Schlemm foram nomeados para suprir os que não mais podiam ser conselheiros, como no caso de quando Max Colin foi nomeado prefeito. O Conselho Consultivo de Joinville inaugurou suas atividades em 1931 e perdurou até 1936, quando a Era Vargas entrou na fase Constitucional e permitiu por um breve tempo a reabertura das casas legislativas.

Max Colin e Carlos Gomes/ Arquivo Memória CVJ

Câmara de Vereadores – Um breve retorno

O governo provisório estava demorando muito para se tornar um governo constitucional, mas a pressão sobre Vargas fez efeito. Em 1934 foi promulgada uma constituição federal que permitiu a volta das casas legislativas. Em Joinville, as eleições ocorreram em 1º de março de 1936 e a Câmara retomou suas atividades já em abril do mesmo ano. 

A mesa diretora foi formada por José Koerbel Junior (presidente), Roberto Schmidlin (vice), Otto Pfuetzenreuter e Max Colin (1º e 2º Secretário).

Os demais vereadores foram: Arnoldo Eberhardt, Ernesto Krause, Fernando Fiedler, Frederico Huebner, Guilherme Ziehmann, Gustavo Schossland, Julio Schroeder, Monsenhor Gercino, Otto Hemke, Rodolfo Huebner e Werner Neumann

Mas Vargas não estava à vontade em ter que governar sob uma Constituição. Veio o autogolpe que deu origem ao Estado Novo.

O Departamento Administrativo

O Departamento Administrativo foi, de certa forma, ao mesmo tempo um substituto tanto da Câmara de Vereadores como da Assembleia Legislativa durante o Estado Novo. Diferente dos Conselhos Consultivos Municipais do Governo Provisório, tal Conselho era um órgão da esfera estadual. Criado pelo Código Administrativo de 1939, num primeiro momento tal órgão atuava mais a nível estadual, o que permitiu aos prefeitos Joaquim Wolf, Nabor de Lima Monteiro e Arnaldo Moreira Douat a liberdade de legislar discricionariamente, como foi em 1930.

Mas em 1943 houve mudanças: O Departamento Administrativo fora renomeado para Conselho Administrativo e passou a aprovar também os projetos de lei dos prefeitos, e só então eles podiam sancioná-los. Os Conselhos Administrativos não criavam os decretos-leis, somente os aprovavam ou desaprovavam, fazendo sugestões de mudanças nos textos dos projetos.

Quem eram tais conselheiros locais durante o Estado Novo? É possível encontrar as atas de suas deliberações no Arquivo Histórico de Joinville? Não é, porque eles atuavam na capital do estado e lá residiam. De lá o Conselho Administrativo analisava os decretos de todos os municípios e do estado. O Departamento Administrativo (posterior Conselho Administrativo) de Santa Catarina foi nomeado em 6 de julho de 1939, contando com 4 membros Em Florianópolis: Florencio Thiago da Costa (Presidente), Alvaro Milen da Silveira (Vice-Presidente), Roberto Soares de Oliveira e Guido Bott, nomes desligados da história joinvilense.

O Conselho Administrativo atuou até a redemocratização que se seguiu ao Estado Novo, quando as Câmaras de Vereadores foram reabertas país afora. Em 1947, Joinville reiniciaria a contagem das legislaturas, das quais a atual é a décima nona.