Texto de Patrik Roger Pinheiro,
historiador e coordenador do Memória CVJ.

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Recentemente, a CVJ aprovou o Projeto de Lei Ordinária nº 29/2025, com autoria do Executivo, que prevê a concessão do Mercado Municipal Germano Kurt Freissler para exploração da iniciativa privada. Aprovado unanimemente, até a data da publicação deste artigo o projeto aguardava a sanção ou veto do prefeito.

Câmara e Mercado Municipal já entrelaçaram seus destinos inúmeras vezes, mesmo desde o tempo em que o mercado estava somente nos planos. Acompanhe neste artigo duas discussões que ocorreram no fim do século 19 e início do 20, acerca do local onde o mercado deveria ser instalado.

Em 1891

Para ajudar Joinville, a assembleia provincial catarinense votou em 1880 uma lei que criava um imposto para a construção do Mercado Público. A mesma lei também já definiu onde este mercado deveria ser instalado: no largo do porto, ou seja, no terreno onde ele está hoje.

Em 1851, chegou em Joinville o imigrante  Carlos Kuhmlehn. Homem decidido, Kuhmlehn montou por aqui um curtume e, mais tarde, um hotel. Adquiriu também terras nas proximidades do rio Cachoeira e adjacentes às dos príncipes, por perto de onde hoje temos o atual Museu Nacional de Imigração e Colonização. 

Os bens do príncipe de Joinville e da princesa Dona Francisca eram geridos em localmente por Frederico Bruestlein, procurador do casal. Frederico decidiu aumentar as terras dos príncipes por comprar as terras Kuhmlehn. Hoje esses terrenos estão hoje no coração da cidade, mas na época não passavam de um charco alagadiço na beira do rio. Homem experiente como era, Brustlein apostou na especulação imobiliária, tentando ele mesmo alavancar o valor da propriedade.

Para atingir esse fim, Bruestlein doou à municipalidade parte das terras recém adquiridas de Kuhmlehn, mas com uma condição: Que a superintendência construísse ali o planejado mercado municipal. Era um bom plano, mas para Bruestlein e seus patrões, os príncipes. Na ata da sessão de 8 de janeiro de 1891 do conselho de intendência, órgão comparável à Câmara de Vereadores, foi anotado: “Foi aceita a proposta, ficando o procurador autorizado a receber os títulos dos ditos terrenos e pagar as competentes sisas e emolumentos.”

Frederico Bruestlein/ Arquivo Histórico de Joinville

Mas o que era bom para Bruestlein não necessariamente era bom para a cidade. Em março de 1891, 204 cidadãos assinaram um requerimento dirigido ao conselho, reclamando dessa decisão. Segundo os reclamantes, preteriu-se o largo do porto, um local bem melhor para a finalidade por ser de fácil acesso às embarcações e perto de moradias, em favor de terras alagadiças, sem moradores por perto, com acesso dificultado para embarcações. 

E a lei provincial? Reforçaram os reclamantes que tal lei já tinha definido o local. Não havia motivo para agir em desacato à legislação já firmada.

Na sessão seguinte, após ler o requerimento dos populares, os conselheiros aparentemente tentaram sair pela tangente: “Não tem fundamento a presente representação, visto não ter essa intendência tomado resolução alguma respectivamente à construção de um edifício para servir de mercado nessa cidade.

Ora, se Bruestlein disse que doaria terras desde que ali fosse construído um mercado, e se a Câmara aceitou a doação, havia uma decisão implícita. Pressionados, aparentemente os conselheiros recuaram e a construção do Mercado ficou para data futura.

O largo do porto era lugar aterrado e apropriado para o desembarque de mercadorias (Foto: Arquivo Histórico de Joinville)

Em 1906

Bruestlein não se deu por vencido. 15 anos depois, em 1906, o Mercado Público ainda não tinha sido edificado e ele tentou novamente sua cartada, tendo o vice-presidente do conselho, Oscar Schneider, entre seus aliados.

Em fevereiro de 1906, ingressou na Câmara um novo projeto indicando novamente as terras dos príncipes para receber o mercado, por ali pela rua Paris, atual Jerônimo Coelho, perto do rio. Prevenidos, os munícipes novamente se manifestaram, assinando três representações que juntas somavam 247 assinaturas.

Os abaixo-assinados se referiam as terras dos príncipes como “brejo” e mencionaram que os melhoramentos ali necessários despenderiam muito dinheiro. Lembraram também que o largo do porto estava aterrado, tinha um cais e era, portanto, mais adequado ao desembarque de mercadorias. 

A sessão da reunião da Câmara naquele dia estava sendo incomumente longa, e por isso, o superintendente Procópio Gomes e o presidente do Conselho, Ernesto Canac, deixaram o recinto, tendo Canac suspendido a sessão antes de sair. Ambos achavam que o mercado deveria ser construído no largo do porto, onde está até hoje, não onde queria Bruestlein. Foi aí que Schneider entrou em cena. O vice assumiu como presidente, deu continuidade a sessão, ignorou as três representações dos populares e conseguiu a aprovação favorável à Bruestlein.

Mas em sessões subsequentes, o assunto foi revisitado. Naquele tempo, as comissões da Câmara tinham duas versões, interna e externa. A interna era composta por vereadores, como é atualmente, e a externa continha munícipes de notório saber na área abrangida por aquela comissão. Então os conselheiros decidiram ouvir um parecer conjunto da comissão de Obras Públicas interna e externa. O relatório foi ao encontro do clamor popular e apontou que o local adequado para receber o mercado era mesmo o largo do porto, e não o chão pantanoso nas terras de Bruestlein. 

Estava decidido o local. O Mercado Público de Joinville seria construído nas terras que ocupa atualmente.  

O primeiro Mercado Público de Joinville (Foto: Arquivo Histórico de Joinville)

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