Escolhemos quatro pontos cruciais para você entender o que propõe o Projeto de Lei Complementar nº 11/2018, enviado à Câmara pela Prefeitura. Ele permite a mudança de zoneamento para terrenos de morros em cota 40 que, após mineração autorizada por órgãos ambientais, ficarem abaixo dessa cota.
O texto está sob análise do Conselho da Cidade, em razão de emenda apresentada pelo vereador James Schroeder (PDT), que inclui no projeto uma alteração no Plano Diretor de Joinville, para estabelecer uma forma de compensação financeira por parte dos donos de imóveis que venham a requerer a alteração do zoneamento. Quando voltar para a CVJ, o projeto deve passar por uma audiência pública, exigência do Estatuto da Cidade, para só então voltar à tramitação normal nas comissões técnicas.
1) É o fim da cota 40?
Existem duas respostas possíveis. A primeira é a que foca no zoneamento. O tipo de zoneamento que protege a cota 40 continuará a existir para todas as áreas definidas na Lei de Ordenamento Territorial (LOT) como “setor especial de interesse de conservação de morros”. Nos mapas da LOT, é possível identificá-las com a sigla SE-4. Por esta linha de raciocínio, não seria o fim da cota 40. Esta visão tem sido defendida pela Prefeitura e parte da ideia de que as áreas degradadas por mineração precisam ser ocupadas.
A segunda resposta, porém, está mais focada na questão ambiental e questiona se não haveria outras áreas prioritárias para ocupação na zona urbana. Seguindo esta linha de argumentação, as áreas que hoje estão em cota 40 — enquanto marco de proteção ambiental — poderiam acabar reduzidas à medida em que fossem mineradas e ocupadas. Isto é, nesta visão, o PLC 11/2018, se não for o fim, poderia significar uma redução das áreas de cota 40.
A Comissão de Direito Ambiental da OAB/Joinville emitiu um parcer sobre o tema. O documento alerta que, sem a definição de um marco temporal, a mudança de zoneamento para os terrenos “rebaixados” para menos de 40 metros valeria não apenas para os imóveis já minerados/degradados, mas também para aqueles que, no futuro, venham a passar por atividades de mineração.
Os vereadores Odir Nunes (PSDB) e Tânia Larson (Solidariedade) dizem que mudar o zoneamento ampliaria o potencial econômico de um terreno, abrindo possiblidades para loteamentos. O sociólogo e urbanista Charles Henrique Voos, estudioso da ocupação urbana em Joinville, afirma, por sua vez, que: “as áreas degradadas por mineração certamente devem ser recuperadas [ambientalmente]. Por mais que haja degradação, independente do nível, é muito melhor recuperarmos ambientalmente áreas fragilizadas do que simplesmente promover um uso tipicamente urbano. Existem vários vazios urbanos que devem ser ocupados com prioridade. A degradação pré-existente de algumas áreas jamais pode servir como desculpa para se flexibilizar a cota 40. Outras soluções urbanísticas são possíveis”.
Secretário de Desenvolvimento Urbano, Danilo Conti afirmou mais de uma vez que a proposta possui caráter essencialmente urbanístico e que a finalidade do projeto é evitar a ocupação irregular de “passivos ambientais”, isto é: regiões degradadas por ações de particulares que ainda não foram recuperadas.
O vereador Maurício Peixer (PR), que é o relator do PLC 11/2018 na Comissão de Legislação, já disse em algumas reuniões que áreas sem vegetação devem ser ocupadas de alguma forma.
O parecer da OAB/Joinville contesta a ideia de que o projeto teria efeitos apenas urbanísticos. O estudo alerta, ainda, para a “proibição de retrocesso ecológico”, um princípio jurídico que permitiria a um juiz da área ambiental intervir em leis que deixem o meio ambiente vulnerável. A alteração brusca nas permissões causaria insegurança jurídica.
2) Onde estão esses terrenos?
Os maiores desses setores de zoneamento são os maciços dos morros da Boa Vista, do Iririú, do Atiradores, do São Marcos e do Itinga. Porém, apenas o da Boa Vista e do Iririú são declarados área de relevante interesse ecológico e, deles, apenas o primeiro conta com um plano de manejo definido. Os dois últimos estariam protegidos por legislação federal, uma vez que são áreas de preservação permanente.
Além desses morros maiores, há mais de uma centena de pequenos morros que margeiam a BR-101, de norte a sul, que estão no zoneamento de cota 40.
É preciso reforçar que os 40 metros de elevação são em relação ao nível médio do mar. É o motivo pelo qual a ocupação fica restrita em áreas que estejam a pouco mais de 20 metros do nível da rua em regiões mais altas da cidade, por exemplo.
3) A mineração já é liberada
Há 58 processos de licenciamento para mineração na cidade, conforme o geógrafo da Secretaria de Planejamento Urbano e Desenvolvimento Sustentável (Sepud), Thiago Neiva. A liberação para extração de argila está no anexo 6 da LOT. Além disso, as leis federais são bastante favoráveis à atividade. Ou seja: proprietários que queiram realizar mineração em seus terrenos já poderiam fazê-lo.
Os consultores jurídicos da Comissão de Legislação defendem que a mudança no zoneamento seja autorizada, desde que conste no pedido uma das etapas do licenciamento de mineração: o Projeto de Recuperação de Área Degrada (Prad). Ele prevê os meios para que a área minerada possa ser utilizada pelo público no futuro.
Para Peixer, a fiscalização cabe ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que autoriza as lavras de pesquisa mineral e orienta os processos de licenciamento de mineração, e ao Instituto do Meio Ambiente, antiga Fatma, que é o órgão responsável pelo licenciamento ambiental em nível estadual.
A Constituição estabelece que o acompanhamento de atividades de pesquisa e exploração de recursos minerais é de competência conjunta de União, Estado e Municípios.
4) O parecer técnico é contra
A consultoria de Legislação deu parecer contrário à aprovação do projeto, por entender que a alteração proposta dependeria de uma alteração no Plano Diretor do Município, para criar mecanismos de compensação para o acréscimo de potencial construtivo que essas áreas teriam.
Seria preciso, portanto, prever que o dono de um imóvel em área de cota 40 fornecesse algum tipo de indenização ao município, por conta do aumento de potencial construtivo que a região teria. Isso porque, à medida em que se expande a área urbana, os investimentos públicos em infraestrutura precisariam ser ampliados também.
Outros pontos observados como impeditivos para a tramitação do PLC 11/2018 pelo parecer técnico dizem respeito à ausência de leis municipais específicas sobre mineração e recursos hídricos. Essas leis são previstas pelo Plano Diretor.
Atualmente o Plano Diretor só prevê a chamada “outorga onerosa do direito de construir”, que é uma compensação para a construção acima dos limites previstos na lei de zoneamento. Essa situação faz com que, áreas mineradas que fiquem abaixo da cota 40 não precisem de nenhum tipo de compensação ao Poder Público e à coletividade.
Há dois tipos de pareceres. Os feitos pelos vereadores e suas assessorias, chamados de “pareceres políticos”, e os elaborados pelos consultores jurídicos e técnicos da CVJ, chamados de “pareceres técnicos”. Em grande parte dos casos, os pareceres políticos acompanham também a argumentação e a orientação dos pareceres técnicos. Mas também pode haver divergência. No fim das contas, o que vai valer no projeto são os pareceres dos vereadores, ou seja, os políticos.
Reportagem de Sidney Azevedo / Edição de Carlos Henrique Braga e Felipe Faria / Arte de Paula Haas / Foto de Nilson Bastian