Pouco mais de dez anos depois da aprovação da Lei de Drogas, a 11.343, de 2006, o Brasil é mais violento e corrupto, as organizações criminosas são mais poderosas, e usuários são tratados como traficantes, superlotando as cadeias – e de novo, dando mais força às facções.

A conclusão é de palestrantes de seminário da Comissão de Proteção Civil e Antidrogas da CVJ e de comissões da OAB, sobre a guerra às drogas, promovido ontem (24), na sede da Ordem.

“O balanço dos dez anos da Lei de Drogas é o pior possível”, avaliou o advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCC), Cristiano Maronna.

Ele apontou como “efeitos colaterais” da Lei de Drogas a corrupção (lavagem de dinheiro, por exemplo), a violência (60 mil homicídios por ano), a superpopulação carcerária (são 700 mil presos no País) e o fortalecimento do crime organizado.

“A guerra às drogas é um impulsionador dessa violência. Quanto mais prendemos, mais o crime organizado se fortalece; é um círculo vicioso”. Apesar do esforço em proibir e punir, as drogas continuam circulando livremente, ressaltou.

Antes da lei, em 2006, o Brasil tinha 9% (31,5 mil) da população carcerária presa por tráfico – hoje, são 33% (138,3 mil). Joinville apresenta a mesma proporção, cerca de 30%, segundo o presidente da Comissão de Proteção Civil e Antidrogas, Richard Harrison (PMDB). No total, 1.500 estão presos em Joinville, e outros 1.000 mandados devem ser cumpridos.

“Essa política [de drogas] não consegue produzir resultados”, disse a pesquisadora do Instituto Igarapé, do Rio de Janeiro, Ana Paula Pellegrino, ao Jornalismo CVJ. O que se vê, na prática, segundo ela, é um foco excessivo no pequeno traficante, enquanto “o topo da cadeia” do tráfico segue intocado.

Missão impossível

A polícia e o judiciário têm uma “missão impossível de conter um mercado que só cresce”, falou a presidente da Comissão de Políticas sobre Drogas da OAB, Cristiane Vansuita.

Em meio à guerra, 66 pessoas foram mortas, em Joinville, até meados deste mês – quatro delas foram vítimas de latrocínio (roubo seguido de morte), segundo a advogada. A maioria eram homens, tinham entre 18 e 25 anos, e viviam na Zona Sul.

“A guerra às drogas é uma guerra contra as pessoas”, falou Vansuita.

Para o juiz de execução penal João Marcos Buch “não se pode discutir segurança pública sem se tratar da política de drogas”.

Buch disse que o modelo atual, inspirado no adotado pelo prefeito de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, na década de 1990, “não está contribuindo para a redução, mas fomentando a violência, o tráfico de armas e a lavagem de dinheiro”.

Punição ao usuário

A pesquisadora do Igarapé defende a diminuição do caráter punitivo ao usuário e mais tempo da polícia voltado à inteligência, e não a apreensões em flagrante de consumidores.

“O policial não consegue ter tempo para montar as grandes operações, e interceptar quem está no topo da cadeia, e fica muito no baixo escalão do crime organizado”.

Faltam na lei critérios objetivos para estabelecer quem é usuário e quem é traficante. Os parâmetros escolhidos são subjetivos, para a pesquisadora Ana Paula Pellegrino. Costuma-se enquadrar como usuários os presos em flagrante com até 10 gramas de cocaína e 30 gramas de maconha.

“As pessoas que eram identificadas como usuários [antes da lei] passaram a ser traficantes, o que aumentou a população carcerária”, disse o vereador Richard Harrison. “E o mentor disso não vai pra cadeia”.

Descriminalização

O IBCC é favorável à descriminalização do porte de drogas, por acreditar que a legislação provoca excesso de prisões, muitas vezes sem provas, e baseadas na cor da pele e na condição socioeconômica do usuário.

“Brancos com holerite têm mais sorte que negros desempregados”, compara Maronna.

O artigo 28 da Lei de Drogas, que orienta essas prisões, torna crime o porte de drogas para uso pessoal, fazendo do usuário autor e vítima do crime.

“A pessoa é obrigada a provar que não é traficante, invertendo o ônus da prova”, que deve ser de quem acusa. A “disfunção”, segundo ele, está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF).

Texto: Jornalismo CVJ, por Carlos Henrique Braga. Edição: Jeferson dos Santos.

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