A proibição gradativa dos veículos de tração animal foi debatida na noite desta terça-feira (10) em reunião extraordinária das comissões de Legislação e de Urbanismo. Aproximadamente 100 pessoas, a maioria ligadas a entidades de proteção animal, estiveram no Plenário, com faixas e placas com dizeres como “Inclusão social, sem sofrimento animal. Sim, é possível” e “Chega de tratar animal como objeto. Pelo fim da tração animal em Joinville”.

A proposta do vereador Lioilson Corrêa (PSC) que deu origem ao debate é o Projeto de Lei 294/2015. O texto estabelece prazo de 2 anos para que atividades de tração animal ligadas à coleta de material reciclável que levem cavalos à sobrecarga (conforme o projeto, peso superior ao do próprio animal) sejam proibidas no município.

Em defesa do projeto, Lioilson reforçou que é papel constitucional do Estado proteger os animais e que “não há um sistema único de saúde dos animais. O que existe são corações e mentes que estendem a mão aos animais”.

Senciência

A representante da Frente de Ação pelos Direitos Animais (Frada) Ana Rita Hermes defendeu que os cavalos são sencientes, isto é, são capazes de ter emoções e de sofrer com dores. Em apresentação sobre a senciência, Ana denunciou 5 casos recentes de cavalos encontrados mortos em ruas de Joinville.

Ana também explicou que a posição da Frada é de compreensão com os carroceiros porque há um problema social que origina os maus-tratos. Conforme ela, “o dono [de cavalo], que é dono, e não tutor, vende o animal a um carroceiro quando ele não rende mais”. O carroceiro, por sua vez, não teria outro meio de subsistência que não o uso do animal, segundo Ana Rita.

Uma proposta da Frada para solucionar o problema é que os carroceiros passem a usar o que Ana chamou de “cavalo de lata”, uma carroça desenvolvida com o mecanismo de uma bicicleta elétrica que poderia ser utilizada em vez dos cavalos. Conforme Ana Rita, a Frada está em contato com cursos de engenharia da Udesc para o desenvolvimento de cavalos de lata.

Cultura dos carroceiros

O pronunciamento de Ana Rita começou com uma palavra de tranquilidade ao representante da Associação de Moradores da Estrada da Ilha, Ciro Harger: “O projeto trata só de animais de tração, não os de rodeio”. O agricultor e empresário, ligado a atividades como rodeios e criação de animais, apresentou ponto de vista distinto do dos protetores, defendendo a necessidade do trabalho com animais na agricultura.

Segundo Harger, há mais de 5 mil cavalos de esporte em Joinville, isto é, animais que fazem parte de atividades do hipismo e de rodeios, por exemplo. “Isso representa geração de emprego e renda”, pontuou. Harger também apontou a questão econômica como razão para intensificação no uso de animais para o trabalho de agricultura. Segundo ele, se antes um agricultor investia R$ 1 mil para produzir um hectare, esse valor hoje estaria em torno de R$ 2,8 mil.

Em dado ponto do pronunciamento, Harger usou a expressão “nós [agricultores] sabemos o custo de um animal”, o que o levou a ser vaiado pelos protetores. E disse entender que se trata de uma questão cultural. “Inclusive, o nome Estrada da Ilha surgiu porque era o nome que os carroceiros usavam para ser referir à estrada que os levava para a ilha de São Francisco do Sul”. Do Plenário surgiram alguns gritos como “não temos que manter essa cultura!”

Reinserção no mercado

O prazo de 2 anos é explicitado no PL 294/2015 para que os carroceiros que utilizam esses animais possam ser reinseridos no mercado de trabalho por meio de cursos, caso resolvam deixar a atividade. O projeto é acompanhado também do PL 296/2015, também proposto por Lioilson, que cria um fundo municipal que reservaria uma quantia do orçamento municipal para a manutenção desses cursos, mediante cadastro dos carroceiros.

O projeto do fundo, todavia, não era o foco do debate ontem, mas, conforme a bióloga e técnica da Secretaria de Meio Ambiente que acompanhou a reunião, Raquel Migliorini, já há meios de captar recursos para a reinserção desses trabalhadores no mercado de trabalho em nível federal e cobrou isso do representante da Secretaria de Assistência Social, Márcio Sell. Ele usou a tribuna da CVJ para colocar a secretaria à disposição.

Reelaboração

Ambos os projetos deverão passar por reelaboração. Ao encaminhar o final da reunião a proposta do presidente da Comissão de Legislação, o vereador Maurício Peixer (PR), foi que o vereador Lioilson retirasse o projeto para que fosse apresentado um novo.

O PL 294/2015 tem vício de forma, conforme análise da Consultoria da CVJ, porque ele poderia modificar a já existente Lei Complementar 360/2011, o Programa de Proteção Animal. A solução é a reapresentação da proposta como projeto de lei complementar, o que Peixer e Corrêa se comprometeram a fazer.

A Consultoria também sugeriu uma especificação do peso a ser considerado como sobrecarga, para facilitar o trabalho de fiscalização. O PL 294/2015 apenas menciona que excesso de carga é “o peso superior ao do animal”.

Outra sugestão veio do procurador municipal Naim Tannus. Ele observou que uma proibição deve ser isonômica, isto é, não deve ser proibida somente sobre uma categoria. Isso porque o texto do PL 294/2015 menciona apenas os carroceiros que trabalham na coleta de materiais recicláveis.

Já a proposta do fundo tem vício de origem. Como um fundo implica gastos ao município, a proposição deveria partir do prefeito, e não dos vereadores, conforme a Constituição. Os vereadores se comprometeram a atuar em conjunto com os representantes da Sema, da SAS e da Procuradoria Geral do Município para que a Prefeitura encaminha proposta da criação de um fundo.

Texto: Jornalismo CVJ, por Sidney Azevedo / Foto: Daniel Tonet

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