Döhler iniciou seu depoimento observando que a decisão pela realização da obra se justificava pelo combate a enchentes no Centro de Joinville e porque o financiamento da obra foi recebido a fundo perdido por meio do Programa de Aceleração do Crescimento, ou seja: o governo federal não esperava o retorno do dinheiro encaminhado a Joinville. Para o ex-prefeito, o grande problema da obra — e isso foi reiterado por ele em vários momentos da oitiva — é que o consórcio vencedor da licitação “afundou” o preço, buscando aditivos ao contrato original depois de dois anos de obra.

Udo repetiu algumas vezes também que a pressão para que a Prefeitura concedesse os aditivos era constante, principalmente por ameaças de paralisação da obra ou retirada de maquinário dos locais em que a obra estava acontecendo. Porém, ao ser questionado pelo vereador Neto Petters (Novo) sobre como eram essas pressões ou quem as exercia, o ex-prefeito não chegou a entrar em detalhes.

As empresas alegavam inexequibilidade do projeto para pedir os aditivos, algo que Udo contestou ao afirmar que “se houvesse um mínimo sinal de que a obra fosse inexequível nós não teríamos avançado”. A obra, orçada em mais de R$ 65,3 milhões, ficou com um consórcio de empreiteiras que ofereceu realizar o serviço por R$ 45,8 milhões. Isso ocorreu porque a licitação foi realizada na modalidade de menor preço, na qual vence a empresa que, desde que cumpra os requisitos legais da Lei de Licitações, ofereça o serviço pelo valor mais baixo.

Confira a documentação completa da CPI.

Capital social

Outro ponto atacado pelos vereadores diz respeito à alteração do capital social da empresa Motta Júnior, uma das componentes do consórcio. Os vereadores Diego Machado (PSDB) e Netto Petters observaram que, três semanas antes da licitação, o capital social teria sido alterado de R$ 320 mil para R$ 7 milhões, conforme documentação obtida pela CPI. A finalidade da mudança seria adequar a empresa à exigência presente no edital de que o capital social do vencedor deveria ser de ao menos 10% do valor total da obra, conforme os vereadores. A mudança repentina levantou dúvidas sobre a capacidade de o consórcio conseguir executar o serviço. Isso já tinha sido levantado em outros depoimentos, como o do ex-secretário municipal de Infraestrutura, Romualdo França.

Quando o vereador Diego Machado perguntou se não haveria como a empresa ser considerada incapaz pela Prefeitura, Udo retomou a informação de que 70% da obra foram realizados e acrescentou:

“Eles [as empresas] realizaram, e eles não tinham capital de giro suficiente. Mas executaram a obra por quê? Porque receberam em dia os pagamentos. Tanto assim que ainda alguns milhões poderiam ter sido pagos (…). Mais um fôlego para que elas avançassem. E não o fizeram”.

Prejuízos

O presidente da Câmara, vereador Maurício Peixer (PL), também participou da reunião e mais uma vez reforçou o prejuízo desta obra inacabada para os comerciantes, principalmente das ruas Jerônimo Coelho e Visconde de Taunay, na região Central. Peixer lembrou que não só para os comerciantes, mas para toda a cidade o prejuízo é enorme. Com isso, o presidente questionou se não foram levados em conta esses prejuízos para a sociedade, bem como a autoestima dos cidadãos joinvilenses.

No entendimento de Maurício Peixer, a “briga entre Seinfra e Secretaria de Administração interferiu, sim, na obra”. Para ele, a obra deveria ter sido paralisada antes, o contrato interrompido e feita nova licitação. O vereador citou parecer do Ministério Público sobre o contrato e as obras do Rio Mathias. Peixer ainda deixou claro que não afirma que houve corrupção ou dolo, mas, sim, que houve erro de gestão.

Rescisão

O momento da rescisão foi outro tópico questionado na oitiva. Wilian Tonezi quis saber do ex-prefeito se não teria sido melhor rescindir o contrato antes de 2020. Udo observou que “romper o contrato anteriormente resultaria num passivo para o município”. E emendou ainda: “a empreiteira queria nos vencer pelo cansaço”.

O relacionamento entre as secretarias de Administração e Planejamento (SAP) e de Infraestrutura (Seinfra) também motivaram perguntas dos vereadores. A SAP era o órgão responsável por conduzir as licitações na Prefeitura, enquanto a Seinfra vistoriava a execução de obras como a do Rio Mathias. Porém, conforme depoimentos colhidos na CPI, o relacionamento entre as secretarias seria conturbado. Udo respondeu sobre isso que “nem todo colegiado pensa de maneira uniforme”.

Próximas reuniões

Para a próxima reunião da CPI, no dia 29, às 9h, estão marcados os depoimentos dos engenheiros da Motta Júnior à época da execução da obra. São eles: Alexandre Oligini da Rocha, Brian Brümmer e Antônio Adevaldo Daniel. Hoje a empreiteira pediu formalmente à CPI acesso aos documentos já levantados.

O ex-secretário de Administração e Planejamento, Miguel Ângelo Bertolini, confirmou presença na reunião da CPI que será realizada na próxima quarta-feira, dia 31, às 9h. Nessa mesma ocasião também será ouvida a diretora executiva da pasta, Daniela Civinski Nobre.

Caixa Econômica Federal

Além de Udo, também foi ouvido pelos vereadores o coordenador da Gerência-executiva de Governo da Caixa Econômica Federal em Joinville, Mário Ivo Berni Ramos, que acompanhou a autorização e execução da obra pelo banco até 2018, ano em que se aposentou. Esta foi a segunda oitiva da CPI com servidores da Caixa. A primeira, realizada há duas semanas, não trouxe as respostas esperadas pela comissão.

Berni Ramos é engenheiro e foi chamado à CPI porque seu nome aparece em vários documentos relacionados ao projeto do Rio Mathias. Sobre a documentação, ele observou que o “projeto inicial tinha inadequações”, que foram resolvidas antes da aprovação. A principal preocupação do então servidor da Caixa é que o projeto não possuía as sondagens do solo necessárias, algo que foi entregue após pedido.

Outra preocupação dele era a falta de estudos de maré em Joinville. Algo que, segundo ele, até hoje não foi feito por nenhum governo. Porém, o tipo de estudo a que Berni se refere não é o mesmo realizado para tábuas de maré convencionais, que pode ser feito em até um ano.

Quanto à licitação da execução da obra, fase posterior ao projeto, o engenheiro mencionou que a Prefeitura poderia exigir algum tipo de garantia, especialmente quando há grande diferença entre o valor orçado e o valor com o qual a licitação é concluída. Sobre esse ponto, Berni disse que “o mergulho do preço foi assombroso”.

“Tanto que foi questionado à Prefeitura sobre isso [‘mergulho’ do preço]. Que garantias vocês vão pedir a mais sobre isso? Ou qual é o procedimento? A resposta, que eu não lembro exatamente, mas foi dito mais ou menos: ‘olha, foi questionada a empresa e a empresa disse que faz’. Uma vez que a Prefeitura se manifesta, a Prefeitura é soberana e eu não posso dizer: ‘olha, você tá errado’”, contou aos vereadores.

O engenheiro também disse que um valor de R$ 2 milhões relacionados a interferências da obra em questões como linhas de distribuição de água, luz e gás não estavam no projeto e não poderiam ser bancadas com o valor da obra do Rio Mathias, que poderiam ser bancados com um projeto à parte. “Nunca foi feito”, observou.


Texto
Sidney Marlon de Azevedo
Fotos
Mauro Artur Schlieck
Edição
Felipe Faria


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