Um trecho de quase 600 metros da rua Visconde de Mauá, no bairro América, tem sido motivo de debate em reuniões da Câmara desde maio do ano passado. O motivo para isso é o Projeto de Lei Complementar 32/2019, que retira o zoneamento de faixa viária do trecho da via que fica entre as ruas Frei Caneca e Benjamin Constant. Nesse trecho da via há 47 imóveis.

Na última terça-feira (11), os vereadores da Comissão de Urbanismo ouviram o arquiteto Marcos Bustamante, representante do grupo de moradores e proprietários de imóveis da região que defende a aprovação do projeto. O arquiteto trouxe um conjunto de documentos nos quais indica que a maioria dos afetados concorda com o projeto de autoria do vereador Ninfo König (PL).

Segundo esses documentos, pelo menos 27 dos proprietários de imóveis da região desejam que o zoneamento da rua seja residencial unifamiliar com até dois pisos. De forma mais simples, poderíamos dizer que esses moradores e proprietários querem assegurar que sua vizinhança continue sendo formada por casas ou sobrados com jardim, sem grandes edificações próximas que façam sombra ou provoquem grande tráfego de veículos.

Bustamante explicou que a transformação do zoneamento da rua em faixa viária, que permitiria maior quantidade de usos e ampliaria o potencial construtivo na região, ocorrido em 2017, provocou um “assédio” de imobiliárias aos moradores da rua. Ele, que mora há 20 anos na via, afirmou que os moradores não querem “transformar sua vida em moeda de mercado”.

O parecer elaborado pelo consultor técnico da Casa, o urbanista Júlio Cézar Petto de Souza, sugere a aprovação do projeto, uma vez que esse trecho da Visconde de Mauá não atende às condições necessárias para ser classificada como faixa viária. Para dar uma ideia, o parecer propõe uma projeção na qual haveria cinco prédios de apartamentos na rua. Isso mais do que dobraria o tráfego diário na rua. A ausência de imóveis comerciais também não justificaria a aplicação de faixa viária na via, conforme análise de Júlio.

Os que têm posicionamento contrário estão representados pelo corretor André Luis Sampaio Costa. Ele disse em reunião que ocorreu em julho que entende que vai haver uma “evolução natural da cidade” com o crescimento da cidade e do bairro que vai resultar em um adensamento da região mais cedo ou mais tarde. Para ele, a possibilidade de novos moradores se instalarem no América vai depender da construção de edificações em ruas como a Visconde de Mauá. Ele sugere que o problema da largura da via poderia ser resolvido com a aplicação de uma mão única na via.

Para que suba ao Plenário para apreciação dos vereadores o texto só precisa agora de um parecer da Comissão de Urbanismo. O relator do projeto, o vereador Jaime Evaristo (PSC), que também é presidente da comissão, disse que vai esperar a conclusão do parecer. Até o fechamento deste texto ainda não estava elaborado parecer político. O parlamentar chegou a pedir a realização de um procedimento de consulta pública na rua sobre o projeto, conforme um pedido do dia 23 de julho por moradores contrários ao projeto.

Na reunião da terça-feira, os vereadores Maurício Peixer (PL) e o autor, Ninfo, manifestaram-se pela aprovação do texto. O vereador Mauricinho Soares indicou dúvidas sobre a necessidade de aprovação. Fabio Dalonso (PSD), o quinto membro da comissão de Urbanismo, não indicou na reunião da terça em que direção vai votar.

Os abaixo-assinados

Essa situação toda desencadeou uma espécie de “guerra” de abaixo-assinados. Há pelo menos cinco documentos desse tipo na Casa: o inicial, apresentado pelo vereador Ninfo König no protocolo do projeto, que contava com 109 assinaturas, foi um abaixo assinado aberto; os outros quatro são centrados em proprietários ou moradores da região.

Um documento é liderado pelo corretor André Luiz, sendo datado de 23 de julho deste ano. O documento questiona a realização de reunião de forma virtual no dia 14 do mês passado. O texto conta com 28 assinaturas de moradores ou proprietários e pedia que uma consulta pública fosse realizada na rua e indica André Luis como representante do grupo contrário ao projeto.

Já os documentos mais recentes são do início de agosto e foram apresentados por Bustamante esta semana. Dois dos abaixo-assinados são restritos aos moradores da rua e receberam o nome de “declarações coletivas”. Uma das declarações reúne 13 proprietários que voltaram atrás na assinatura do abaixo-assinado do corretor. A outra reúne outros 14 proprietários que se mantém favoráveis à aprovação do PLC 32/2019 desde o início.

O terceiro documento apresentado por Bustamante reúne, além dessas assinaturas, as de moradores e proprietários de imóveis em ruas do entorno que possuem características similares.

Zoneamentos

O nome do zoneamento que assegura o formato de vizinhança mais comunitário na LOT (Lei de Ordenamento Territorial ou LC 470/2017) é chamado de Setor de Adensamento Especial e pode ser identificado no mapa da macrozona urbana por “SA-05”, correspondendo mais ou menos à porção oeste do bairro América. Tal zoneamento só existe nessa região e é resultado de um movimento que tem suas origens no desenvolvimento do Plano Diretor em vigor atualmente (LC 261/2008).

Faixas viárias que passem por entre o zoneamento do SA-05 possuem um efeito diferente daquele que ocorre em outras regiões do município. Isso porque apenas os imóveis com frente para a rua indicada como faixa viária possuem ampliação do potencial construtivo.

Em outros lugares da cidade a extensão da faixa viária não se restringe aos imóveis que lhe fazem frente. Em outros zoneamentos, a faixa viária se estende por 100 metros para cada lado da rua. Isso faz com que um imóvel que tenha até 50% de sua área atingido por uma faixa viária, mesmo que esteja em uma via paralela, possa aplicar as regras urbanísticas da faixa viária.

Ainda que imóveis tenham tal zoneamento, isso não significa que ele obrigatoriamente deva ser usado até o seu limite. Isso depende da vontade do proprietário ou das condições do mercado imobiliário. Como as faixas viárias permitem maiores possibilidades de uso, imóveis atingidos por elas acabam sendo muito cobiçados por imobiliárias ou construtoras.

Por outro lado, moradores que não queiram uma transformação radical de sua vizinhança, podem buscar uma mudança de zoneamento, como neste caso.

Histórico

O PLC 32/2019 é protocolado dois anos depois da transformação da rua Visconde de Mauá, em toda a sua extensão, de quase 2 km, em faixa viária, depois da aprovação da LOT. O texto passou a ser faixa viária em novembro de 2017 com a Lei Complementar 490/2017, a partir de projeto de lei complementar do vereador Maurício Peixer (PL), que transformou os 2 km da Visconde de Mauá em faixa viária. O texto foi vetado pelo prefeito Udo Döhler na ocasião e os vereadores derrubaram o veto em Plenário.

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