Vereadora Vanessa da Rosa (PT), procuradora especial da Mulher da CVJ/ Mauro Schlieck

Em entrevista para a Rádio Câmara Joinville 102,3 FM, a vereadora Vanessa da Rosa (PT), nomeada Procuradora Especial da Mulher, falou sobre vários assuntos relacionados aos direitos das mulheres. Além de abordar a possibilidade de promover palestras e atividades de defesa pessoal para mulheres, Vanessa falou sobre a necessidade de uma delegacia da mulher que funcione 24 horas, sobre a criação de espaços acolhedores para crianças, e sugeriu formas de ampliar a participação de mulher na política.

Rádio Câmara Joinville – A Procuradoria Especial da Mulher é um órgão que foi criado no final de 2021 com a finalidade de defender e promover os direitos das mulheres. As atribuições do órgão estão definidas no Regimento Interno da Câmara (Resolução 100/2022). Vereadora Vanessa, como você pretende desenvolver essa missão da procuradoria durante os próximos dois anos, que é o período do mandato?

Vanessa da Rosa – Então, eu me sinto muito honrada de poder estar nesse espaço, atuar como procuradora especial da mulher na Câmara de Vereadores. A pauta das mulheres em si é uma pauta que precisa ser discutida veementemente com a sociedade de uma forma geral e principalmente aqui na Câmara de Vereadores. Nós somos em 19 vereadores, temos só quatro mulheres e quando a gente fala das pautas femininas, a gente não pode também deixar de falar da violência política, da violência de gênero, das questões que envolvem o cotidiano das mulheres de uma forma geral. Muitas vezes elas não encontram eco, não encontram um espaço para essas discussões, não encontram um espaço de acolhimento, um espaço de formação.

Eu acho que a gente pode potencializar isso tudo a partir da Procuradoria Especial da Mulher. Eu sempre ressalto que a gente em Santa Catarina tem uma realidade muito triste em se tratando do número de casos de violência contra a mulher. Santa Catarina é o nono estado mais violento do Brasil. E Joinville, em 2024, a partir dos dados do Observatório do Ministério de Direitos Humanos, há o levantamento de 1.455 casos de denúncias de alguma violação dos direitos das mulheres. A grande maioria agressões físicas, agressões psicológicas, entre outras. E o mais triste é que desses 1.455 casos, só 198 denúncias foram representadas.

Então, o que isso nos diz? Que nós temos muito a avançar. Para as mulheres, ainda é muito difícil fazer a denúncia de qualquer tipo de violência, é uma exposição. As nossas delegacias em Santa Catarina, as delegacias de crimes contra a mulher, não ficam abertas 24 horas. Isso é uma outra problemática, porque nós sabemos que boa parte dessas violências ocorrem no período noturno. Então, essas mulheres precisam de um espaço adequado para fazer a denúncia. Esse espaço tem que estar aberto 24 horas por dia.

Isso para falar de algumas das pautas que nós pretendemos tratar na Procuradoria Especial da Mulher. Formação, nesse sentido, é importante. Trazer o debate, trazer palestrantes. A gente pode falar também, e pretende, fazer alguma ação que diz respeito à defesa pessoal. Nós temos também como prioridade um atendimento especializado para as mães de crianças autistas, para mães de crianças que têm altas habilidades e muitas vezes também têm dificuldade de encontrar um atendimento, não só para a criança em si, que precisa de um olhar pedagógico mais apurado, mas para essa mãe, que tem um filho numa condição diferenciada de outras crianças. Então, a gente precisa tratar o diferente de forma diferente, entendendo que somos todos iguais, mas nós temos direito à diferença e essas diferenças precisam ser respeitadas.

Rádio Câmara Joinville – Bem, vereadora, vamos retornar a uma questão que você já pontuou, mas que é importante salientar, com relação ao funcionamento da delegacia. Nós temos a Lei Federal 14.541/2023 que prevê que as delegacias da mulher devem funcionar 24 horas por dia. Porém, aqui em Joinville, a delegacia funciona em um horário que vai das 12h às 19h. É um horário restrito e que vai de segunda à sexta-feira. Além disso, é uma delegacia que não trata exclusivamente de casos relacionados às mulheres. Também trata de crianças, idosos e adolescentes. Como a gente pode avançar para ter esse atendimento 24 horas?

Vanessa da Rosa – A gente precisa de um movimento intenso da sociedade. A Câmara de Vereadores é um espaço privilegiado para isso, para que a gente cobre do governador o cumprimento da lei federal. É uma lei de 2023. A gente não está pedindo nenhum favor. A gente está pedindo que a lei seja cumprida. Nós estamos falando de segurança. A gente tem uma dificuldade, quando se trata de crimes contra a mulher, que é a medida protetiva. As estatísticas mostram que grande parte dos crimes que ocorrem, dos assassinatos, ocorrem com mulheres que tinham medida protetiva.

Isso significa que a gente precisa se debruçar sobre essa temática, porque até que ponto a medida protetiva tem sido eficaz? Muitas vezes não há efetivo suficiente para monitorar. Uma coisa é você dizer que o agressor não pode chegar a 500 metros da casa da vítima. Mas quem monitora isso? Eu pretendo, inclusive, protocolar um projeto que permita o uso de tornozeleira eletrônica para esses agressores. Talvez não seja a forma mais eficaz, mas é uma das alternativas para a gente conseguir monitorar se realmente essa pessoa está cumprindo esse afastamento da vítima ou não. Acho que a lei, em caso de agressões à mulher, tem que ser um pouco mais rigorosa.

Acho que a gente pode propor impedimento, por exemplo, de prestação de concursos públicos para homens que já têm cumprido pena ou que têm passagem pela polícia por crimes de agressão contra a mulher. Acho que a gente tem que mostrar para a sociedade a seriedade desta temática. A grande maioria das mulheres agredidas hoje no Brasil são mães solo. São mães solo de lares monoparentais, ou seja, elas não têm uma rede de apoio. Moram só elas e as crianças. E 70% dessas mulheres que são mães solo são mulheres negras.

E 70% dessas 11 milhões de mães solo, que 70% delas são mulheres negras, também são as que mais são agredidas. São 65% dessas mulheres as que sofrem agressão. Então, a gente precisa criar uma rede de fortalecimento para as mulheres, para encorajá-las, inclusive, a fazer essas denúncias.

Rádio Câmara Joinville – Vereadora, além da questão relacionada à violência contra a mulher, a Procuradoria também pode tratar de outros temas. No Regimento Interno, uma das questões mencionadas é a participação da mulher na política. Como poder fazer essa participação crescer? A vereadora pode abordar um pouco esse assunto?

Vanessa da Rosa – Sim, com certeza. Eu fico bem estarrecida quando a gente percebe que o Brasil é um dos países que menos tem mulher nos seus parlamentos. A gente perde, inclusive, para o Afeganistão. O Afeganistão tem 27% de mulheres nos seus parlamentos, de uma forma geral, e no Brasil só 18%. Ou seja, a gente tem 30% de cota, digamos assim, para sermos candidatas, mas a gente não consegue cumprir 30% de mulheres eleitas. Isso é muito triste, porque não nos adianta ter 30% de vagas para sermos candidatas.

A gente teria que ter 30% de reserva de cadeiras para começar a ter um certo equilíbrio nos parlamentos. Veja, nós temos hoje 18% de mulheres nas assembleias legislativas, nós temos a mesma quantidade na Câmara Federal, e quase 19% de mulheres vereadoras, mas só 7% de vereadoras negras. Na Câmara dos Deputados, nós temos 513 deputados, 91 mulheres só, e 9 mulheres negras.

Então, a gente tem uma desigualdade de gênero e de raça no nosso parlamento, que só vai melhorar, acredito, quando nós tivermos políticas públicas mais assertivas, como essa que eu citei para você, que eu acho que a gente precisa reformular a lei, a gente precisa garantir pelo menos os 30% da reserva de cadeiras, mas nós precisamos também que os partidos, de uma forma geral, empoderem essas mulheres, trabalhem na formação dessas mulheres, e que, quando elas se colocam como candidatas, que elas realmente estejam como candidatas com condição de concorrer.

Não dá mais para admitir que tenham mulheres para cumprir a cota, para cumprir os 30%, e nem admitir que mulheres se prestem a esse papel também. Agora, é fato que quanto mais mulheres ocuparem esse espaço, mais a gente se fortalece e mais a gente empodera outras mulheres. Eu já fico bem feliz que aqui em Joinville, nós termos conseguido dobrar a bancada feminina. Não é o nosso desejo, nós queríamos mais mulheres. Mas é um primeiro passo, e isso é importante.

 

Eu acho que a Câmara de Vereadores faz um trabalho muito importante, pensando as futuras gerações de parlamentares, que é o trabalho desenvolvido na Câmara Mirim. E a Câmara Mirim daqui tem surpreendido com a quantidade de meninas que têm se candidatado e querem estar nesse espaço. Então, eu penso que para os próximos anos, para as próximas legislaturas, pensando as futuras gerações, a gente vai ter um número muito maior de mulheres. Agora, é fato que a gente precisa empoderá-las, precisa encorajá-las e os partidos também precisam trabalhar nesse sentido.

Rádio Câmara Joinville – A procuradora especial conta também com o apoio de uma procuradora adjunta. O Ato da Mesa 120/2025 estabeleceu a vereadora Liliane da Frada, que é do partido Podemos, para o exercício da função. Vocês já dialogaram sobre como vão desenvolver as atividades?

Vanessa da Rosa – A Liliane vai ser minha parceira nessa caminhada. Assim como a vereadora Vanessa Falk, assim como a vereadora Tânia, nós conversamos um pouco sobre como a gente pensa em conduzir a Procuradoria e tenho certeza que nós vamos conseguir fazer trabalhos grandiosos, trabalhos representativos, não só para as mulheres, porque a gente não pode esquecer que toda temática que envolva as mulheres precisa também ser discutida com os homens, senão a gente não avança, ficamos nós discutindo para nós e por nós.

A gente precisa ter os homens como aliados nessa trajetória, nessa empreitada tão difícil que ainda é romper com os machismos, com esse sexismo. A gente traz muito forte ainda na sociedade os resquícios de uma sociedade patriarcal, colonialista. Então nós precisamos dos homens também nessa empreitada.

Rádio Câmara Joinville – Além de exercer o posto de procuradora especial da mulher, a vereadora também vai ser a presidenta da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Vereadora, muitos dos temas acabam se relacionando entre esses dois órgãos. Você pretende fazer a comissão e a procuradoria trabalharem juntas? Como pretende desenvolver esse trabalho?

Vanessa da Rosa – Em algumas temáticas, acho que isso será inevitável. Nas chamadas de audiências públicas, principalmente, muitos dos temas das audiências podem, sim, surgir a partir da Procuradoria da Mulher. Mas a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos é uma comissão bem interdisciplinar, que permite transitar por diversas temáticas. Por exemplo, eu sou defensora da tarifa zero. Eu acho que esse não é um projeto utópico, é um projeto que é possível.

Nós temos algumas cidades, 116 cidades no Brasil que já implantaram, algumas aqui em Santa Catarina. Isso diz respeito ao direito de mobilidade do cidadão. E nós sabemos o quanto os orçamentos ficam comprometidos com a questão do transporte. Então, a tarifa zero é uma das temáticas que pode ser discutida na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Afinal de contas, eu estou falando da mobilidade urbana, eu estou falando do meio ambiente, eu estou falando do planejamento da cidade, da quantidade de carros que circulam nas ruas e o quanto isso é prejudicial. Estou falando do acesso às pessoas aos bens culturais.

Então, isso é possível de se trabalhar nessa comissão. A gente sabe também que a cidade vem discutindo com bastante força a questão das pessoas em situação de rua. E a gente precisa tratar desse assunto. A gente também está falando de direitos humanos, a gente está falando de vidas, a gente está falando de pessoas que estão em situação de vulnerabilidade. Nada impede da gente discutir a questão das vagas nas creches, porque quando a gente fala de uma rede de apoio para as mulheres, também passa pela tranquilidade de poder deixar o seu filho em um espaço que ela saiba que essa criança estará segura.

Eu tenho um projeto para desenvolver também que diz respeito à criação de espaços acolhedores noturnos para crianças, cujas mães trabalham no período noturno. E sempre digo que eu não estou falando de creche, porque como professora conheço bem a legislação, a creche tem a ver com a educação básica no período noturno. Estou falando de um espaço para aquelas mães que trabalham como ambulantes à noite, para as que estão na faculdade e não tem com quem deixar seus filhos, para as que trabalham nos horários de turno nas fábricas, para as que estão no comércio que fecha cada dia mais tarde.

A gente sabe que quando essas crianças não estão com as mães nos seus locais de trabalho à noite, o que já é uma violação de direito dessa criança, muitas vezes elas estão em casa sozinhas e estão correndo riscos, porque normalmente são crianças cuidando de crianças. É o irmão mais velho cuidando do mais novo, e aquela escadinha onde acontecem os acidentes, onde eles se queimam, onde muitas vezes eles ingerem veneno, e, ainda pior, eles são abusados por aqueles que se propõem a cuidar dessas crianças. Então, a gente precisa pensar nessa temática, porque a sociedade está muito diferente de anos atrás. Não adianta a gente ficar no discurso de que lugar de criança à noite é em casa.

Eu também acho, e seria o melhor dos mundos, que todas as crianças pudessem estar em casa à noite, de banho tomado, com a tarefa feita, assistindo uma TV, indo dormir, 8h30, 9h da noite. Mas não é assim. E as mulheres trabalham e precisam trabalhar. E é como eu falei anteriormente, muitas delas são mães solos, sem ter ninguém, nenhum parente, nenhum vizinho para ajudar. Então, a gente precisa criar mecanismos para que essas mulheres consigam concluir seus estudos, para que essas mulheres possam galgar outras ocupações, outros sonhos. Você percebe como as coisas estão interligadas?

Eu nunca terei mais mulheres na política, mais mulheres ocupando cargos eletivos, se eu não conseguir também ampará-las de alguma forma para que elas prossigam nos seus sonhos. E essa questão dos espaços acolhedores para crianças no período noturno, vem nesse sentido, de dar um certo conforto para as mulheres que precisam.

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