Munícipes, associações de bairros e entidades de classe apresentaram reivindicações diversas para a revisão do Plano Diretor (Projeto de Lei Complementar nº 61/2018) na audiência pública desta segunda-feira (8), que fechou a rodada de oito audiências promovidas pela Comissão de Urbanismo em diversos pontos da cidade. Meio ambiente, sustentabilidade e desenvolvimento foram palavras constantes no encontro de ontem.
A maioria das manifestações foi em torno de pedidos pela implementação do projeto Vale Verde, uma proposta por uma urbanização com potencial construtivo mais restritivo perto do rio Cubatão, e em uma discussão sobre a implantação ou não da Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) na região do bairro São Marcos.
Além desses tópicos, também houve reivindicações para que o Plano Diretor preserve a cota 40, diminua ou restrinja ocupações irregulares na zona rural, aumente o gabarito para construções no bairro Aventureiro, assegure a continuidade de atividades de pedreiras em regiões de preservação e que possa ter um texto mais objetivo e claro.
Houve pedidos também pela revisão do plano viário e pela abertura ou alargamento de vias, como a extensão da rua Ministro Calógeras até a rua Urussanga, no bairro Bucarein, e a duplicação da rua Ottokar Doerffel.
Mais de 70 pessoas acompanharam a reunião presencialmente, além de outras que acompanharam o evento por meio da CVJ TV no Youtube e no Facebook.
Relator da proposta na comissão, o vereador Wilian Tonezi (Patriota) voltou a pedir que os munícipes encaminhem suas manifestações com seus anseios sobre a cidade para o e-mail planodiretor@cvj.sc.gov.br. Até o momento, mais de 200 manifestações foram recebidas, conforme Tonezi, e o recolhimento de manifestações deve seguir até o próximo dia 13.
Tonezi ainda reforçou o compromisso pela aprovação da revisão do Plano Diretor até o fim de 2021.
Além de Tonezi, também participaram da audiência os vereadores Diego Machado (PSDB), Neto Petters (Novo), Sidney Sabel (Democratas) e Adilson Girardi (MDB), que são integrantes da Comissão de Urbanismo.
Acompanharam a audiência, ainda, os vereadores Kiko do Restaurante e Pastor Ascendino Batista (ambos do PSD), Henrique Deckmann e Claudio Aragão (ambos do MDB) e Lucas Souza (PDT); as vereadoras Ana Lucia Martins (PT) e Tânia Larson (PSL); o presidente da Casa, Maurício Peixer (PL); e o líder do governo na Câmara, Érico Vinicius (Novo).
Vale Verde
O Vale Verde é uma ideia que aparece nos debates da CVJ desde 2016, pelo menos. Enquanto projeto legislativo, chegou a ser protocolado como o primeiro projeto de iniciativa popular de Joinville. Porém, impasses quanto à documentação das 15 mil assinaturas coletadas inviabilizaram a tramitação do texto.
A proposta cria um sistema de diferentes zoneamentos na região do leito do rio Cubatão, cobrindo uma área de cerca de 42 km², em geral mais restritivos que os da zona urbana. O município de Balneário Camboriú, para efeitos de comparação, tem menos de 47 km².
O projeto ainda prevê usos especiais para a região das marinas, mais próxima à foz do Cubatão, a conciliação de usos de agricultura e indústria de baixo impacto, bem como zonas de interesse social (instrumento incluído na LOT, em 2017, mas até hoje não utilizado) para tentar promover regularização fundiária nos parcelamentos irregulares da região.
“O projeto Vale Verde vem trazer algo que Joinville não tem: qualidade de vida”, afirmou o ex-vereador Alodir Alves de Cristo, um dos articuladores da iniciativa, em referência à intenção de maior integração entre área urbana e rural por meio do projeto. Cristo entregou ao presidente da comissão, o vereador Diego Machado (PSDB), uma proposta revisada, incluindo aspectos de mobilidade e sistema viário.
Representando a Associação de Moradores da Estrada Timbé, Jean Tomazi também defendeu o Vale Verde. Tomazi aproveitou a ocasião para criticar a existência de um único acesso ao bairro Jardim Paraíso, e acredita que um aprimoramento do Vale Verde poderia resolver o problema.
O presidente da Associação de Moradores da Estrada da Ilha, Jonas Holtz, pediu que o Vale Verde seja incluído no Plano Diretor para frear as ocupações irregulares. O fenômeno tem se espalhado na região porque proprietários de terra na zona rural que deixaram de se dedicar à agricultura têm promovido parcelamentos de terra irregulares, dando origem a pequenas vilas com pouco espaçamento entre as casas e com acessos estreitos.
“Eu vim com esperança de ter a minha voz ouvida”, disse Gustavo Carvalho, morador da estrada Timbé. Conforme ele, as terras da família já não são mais utilizadas para a agricultura e têm sido fonte de problemas. Ele crê que o projeto Vale Verde pode ser uma solução para a valorização da região.
Sobre a questão, Maurício Peixer disse na audiência que a proposta tem amparo no Poder Executivo e pode vir a ser efetivada. O atual secretário de Planejamento Urbano, o urbanista Marcel Virmond Vieira, já esteve na CVJ apresentando detalhes da proposta, que ajudou a elaborar, em julho de 2016.
Todavia, o presidente do Sinduscon Joinville, Bruno Cauduro, que integra também o Conselho da Cidade, pediu cautela para a inclusão do Vale Verde no Plano Diretor. “Uma expansão da área urbana precisa ser melhor discutida”, pontuou, e disse que o Plano Diretor poderia focar em “melhorar as áreas já existentes”.
Um contraponto às afirmações feitas presencialmente sobre o Vale Verde veio de manifestações virtuais no chat do canal da Câmara no Youtube, o CVJ TV. O engenheiro agrônomo Anselmo Cadorin escreveu: “Área rural sepultada definitivamente com essas afirmações. Amanhã café, almoço e janta serão feitos em outra cidade”.
Na mesma direção, a professora Eloisa Corrente escreveu: “Entendam que o trabalho do homem agricultor deveria ser prioritário para a manutenção da segurança alimentar”. Por outro lado, sobre os parcelamentos irregulares, questionou: “Contratos ilegais de gaveta serão legalizados com o Plano Diretor?”
ARIE São Marcos
Outro tópico que gerou bastante discussão na audiência foi a ARIE do bairro São Marcos. Trata-se de uma iniciativa de preservação ambiental defendida pela comunidade do bairro São Marcos já há alguns anos. Embora, formalmente, a ARIE ainda não tenha sido implantada, a possibilidade de redução de potencial construtivo motivou a constituição de uma associação dos proprietários de imóveis atingidos pela ARIE.
Entre os questionadores da ARIE na audiência, há moradores das estradas Arataca e Jativoca. Adenir Martins, por exemplo, proprietário de terra na estrada Arataca, diz que é a favor do meio ambiente, mas que a ARIE “só nos tranca; nossos terrenos serão todos, praticamente, bloqueados”. Martins alega, ainda, que já preserva os 20% exigidos pela legislação e defende querer que a área seja sustentável para todo mundo.
O empresário Douglas Kohls disse que a ARIE vai inviabilizar a região. Ele também defendeu que haja uso industrial na região rural, desde que seja cobrado respeito ao meio ambiente das empresas pelo poder público. Outra reivindicação de Kohls é por mais acessos à região.
A ARIE teria, entre outros efeitos, a restrição de construção nas áreas mais próximas às áreas verdes a, no máximo, dois pavimentos, que era a principal reivindicação dos moradores do São Marcos. Atualmente, em Joinville, já há a ARIE do Morro da Boa Vista. Formalmente, as ARIE não precisam de lei para entrar em vigor, bastando um decreto para sua efetivação.
O biólogo Guilherme Evaristo esclareceu que a proposta inicial previa apenas a abrangência da região dos morros, mas que os conflitos estão ocorrendo porque a Prefeitura indicou uma proposta de área para a ARIE muito maior do que originalmente solicitada pelos moradores do bairro.
O debate sobre a ARIE da região, no âmbito da Prefeitura, teve suas últimas movimentações em março de 2019. Conforme a Secretaria de Comunicação da Prefeitura, “não há previsão para que as discussões sobre ARIE São Marcos sejam retomadas”. A área abrangida pela ARIE comporta 2,7 mil hectares, abrangendo áreas urbanas e rurais entre os bairros São Marcos, Atiradores, Glória, Morro do Meio, Vila Nova e Nova Brasília, além de chegar até o limite de Joinville com Guaramirim.
Evaristo ainda afirmou que são necessários mais mecanismos de defesa da preservação ambiental ante alterações como a aprovada recentemente peloCongresso no Código Florestal, que alterou a proteção mínima para margens de rios em áreas urbanas.
Também morador do São Marcos, Giancarlo Peixer afirmou na audiência que a ARIE tem apoio de mais de dois mil moradores do bairro, conforme abaixo-assinado que resultou a abertura de estudos para implantação dela na região. “Desenvolvimento tem que ocorrer, mas e se nós não tivermos água?”, questiona, defendendo a proteção dos leitos dos rios.
Expansão
Recapitulando a discussão sobre a ARIE, Peixer ainda pontuou que entre interesses conflitantes é difícil contemplar a todos. Mas sinalizou ser favorável à criação de uma área de expansão urbana na região da estrada Arataca, que fica entre os bairros Morro do Meio, Vila Nova, São Marcos e Nova Brasília.
Outra possível área de expansão urbana mencionada foi sugerida pelo vereador Adilson Girardi (MDB). Na visão do parlamentar, esta estender-se-ia do Nova Brasília até o município de Guaramirim, e teria como vocação econômica a industrial.