Encerrada a série de audiências programadas pela Comissão Municipal da Verdade, o trabalho agora é o de elaborar o relatório que será encaminhado à Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Right (CEV-SC). A comissão de Joinville é a única em âmbito municipal no estado.
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Uma das pretensões seria a criação, a partir do relatório, de um plano municipal de educação em direitos humanos, conforme sugerido pelo Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos em reunião realizada em 4 de junho.
A comissão ainda pode receber depoimentos que não estavam previstos para as cinco audiências públicas. Conforme o regimento interno da CMV, esses depoimentos podem ser realizados de forma reservada, situação na qual as informações dos depoentes será incluída apenas no relatório da comissão.
Aqueles que quiserem colaborar com a CMV, podem entrar em contato com os membros pelos e-mails:
Representação da OAB: comissaodaverdade@oabjoinville.org.br
Luiz Henrique Lima, coordenador da CMV: luizhlima@hotmail.com
Rossana Cunha, secretária: rossana.cunha@gmail.com
Maikon Jean Duarte, relator: maikon.jean.duarte@gmail.com
A última audiência pública da Comissão Municipal da Verdade (CMV) ouviu dois depoimentos na noite de segunda-feira. Zilma Gonçalves Serpa e Afonso Carlos Fraiz. Zilma é esposa de Júlio Serpa, preso em 1975 por uma das ações da Operação Barriga Verde. Fraiz era tenente no 62º Batalhão de Infantaria no período.
A esposa do militante
O marido de Zilma, Júlio Serpa, foi capturado enquanto trabalhava. Júlio foi levado ao 62º BI, de onde foi conduzido a Curitiba, onde passou “maus momentos”, palavras usadas por ela para se referir à tortura com choques e pau-de-arara. Ela ficou sem informações do marido por quinze dias, até saber que Júlio estava na Colônia Penal de Canasvieiras, em Florianópolis.
Quando da prisão, Zilma estava grávida da quarta filha do casal. A criança nasceu aos sete meses de gestação, com 2,5kg.
Zilma hesitou bastante em relatar os acontecimentos, e em mais de uma ocasião afirmou que preferiria não estar ali, embora entendesse que fosse para a reconstrução da história da cidade.
“A Linete [Borges, depoente da segunda audiência] foi lá em casa dizer que tinham encontrado nossos maridos e que era para a gente se preparar para ir visitá-los”.
As visitas a Júlio eram mensais. Ela e as esposas dos demais presos precisavam de uma autorização dos militares para poder vê-los. Ela garantiu que nunca sofreu dano físico, embora os momentos de tensão tenham sido muito intensos. Certo dia a autorização (“ordem”, na linguagem de Zilma) foi negada a ela e a Júlia. No relato de Lúcia Schatzmann, realizado durante a primeira audiência, ela e Zilma foram colocadas no mesmo camburão, conduzido em ziguezague, e levadas a Florianópolis. Os militares procuravam saber se elas reconheciam militantes do partido comunista.
“Na época dessa visita, quando a gente chegava à delegacia, eles apresentavam o Teodoro – ele já estava bem magro –, e forçavam ele a olhar cara a cara para a gente, para ver se a gente cumprimentava ou falava com ele”.
Teodoro, Raul e Marcos eram militantes do partido comunista que se reuniam, por vezes, na casa dos Serpa. Zilma, todavia, não participava das reuniões, mas os conhecia. Após a soltura de Serpa, em outubro de 1976, os encontros cessaram, e os antigos militantes só voltaram a se encontrar após o retorno do PCB à legalidade, em 1985.
O ex-militar
Os anos 1970 foram bastante agitados na América do Sul. Em 11 de setembro de 1973, Salvador Allende era deposto por militares no Chile. A ditadura argentina começaria em 1976, após golpe no governo de Isabela Perón. Nas fronteiras brasileiras, os militares resolveram colocar militares de academia e passar os oficiais de reserva para o interior.
Foi a partir dessas informações que Afonso Carlos Fraiz explicou como veio parar em Joinville em novembro de 1974. Ele era tenente R/2, um cargo que, na estrutura do Exército, tem caráter temporário. No 62º BI, Fraiz atuava como relações-públicas. O ex-militar esteve presente nas prisões de Júlio Serpa e de Rosemarie Cardoso.
Conforme Fraiz, as ordens para prisão não foram resultado de trabalho de investigação do 62º BI, mas vieram de outras unidades do exército. Conforme relato do então relações-públicas, a unidade do exército em Joinville servia como ponto de apoio para operações que tinham centro em Florianópolis ou Curitiba.
“A Rosemarie me marcou porque foi a única pessoa que ficou na minha sala [a de relações-públicas]. Foi aquela com quem passei mais tempo e de quem mais tive participação na prisão”.
O relações-públicas teve que atuar na prisão porque no efetivo do 62º BI não havia um grupo específico para esse tipo de trabalho.
O depoimento de Fraiz não era aguardado pelos membros da CMV. Ele se apresentou espontaneamente, embora já tivesse sido convidado para depor na Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Right (CEV-SC). O ex-militar afirmou que preferia depor na terra em que vivia.
Promoção de conhecimento
A participação na promoção de conhecimento foi algo “fantástico”, conforme o consultor legislativo Denilson Rocha de Oliveira, representante titular do Poder Legislativo. Denilson observa que a Câmara pôde, ao apoiar a realização da CMV, auxiliar instituições de ensino superior e o Arquivo Histórico de Joinville a compilar parte da história da cidade.
Para Denilson, formado em Direito, o mais significativo dos depoimentos foi o de Carlos Adauto Vieira, advogado que defendeu personagens do movimento operário na cidade, durante a ditadura. Denilson avaliou que a oportunidade de ouvir alguém que atuou nos tribunais durante aquele período foi excepcional.
No entendimento do consultor, faltou, para um melhor aproveitamento por parte dos ouvintes, algo como uma palestra de caráter pedagógico, que os auxiliasse a ter um panorama geral do período da ditadura militar.