“Não sei quanto tempo vou ficar aqui, mas meus netos vão ficar, e eu quero água para eles”. Com esta frase, o líder comunitário do bairro Adhemar Garcia Reinaldo Pscheidt Gonçalves resumiu uma preocupação que esteve em discussão na Comissão de Urbanismo na tarde desta terça-feira (3): como evitar que um acidente com cargas perigosas na estrada Dona Francisca (SC-418) contamine a água que abastece até 75% das casas joinvilenses?

Representantes de Defesa Civil, Companhia Águas de Joinville, Secretaria de Proteção Civil de Joinville e do Conselho de Segurança de Pirabeiraba participaram do debate proposto pelo vereador Sidney Sabel (Democratas). A princípio, o objetivo era saber como estava a aplicação da Lei 8.773/2019, que proíbe o trânsito de veículos transportando cargas perigosas entre as 18h de um dia e as 6h do dia seguinte na estrada.

O gerente da Unidade de Proteção Civil de Joinville, Marnio Luiz Pereira, destacou que um empecilho ao pleno funcionamento da lei é que ela é de âmbito municipal, mas que a estrada é de jurisdição estadual, o que demandaria uma normativa estadual para regular esse ponto. Coordenador regional da Defesa Civil estadual em Joinville, Antonio Edival Pereira também sugeriu a edição de uma normativa estadual.

O vereador Wilian Tonezi (Patriota), a partir da sugestão dos técnicos de Defesa Civil, sugeriu o envio de um ofício, em nome da Comissão de Urbanismo, à Secretaria Estadual de Infraestrutura e também à Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), conforme pedido do parlamentar.

O ofício busca reforçar o objetivo da lei ao pedir aos órgãos estaduais para que editem norma para não permitir o tráfego de cargas perigosas no período noturno (entre as 17h de um dia e as 7h do dia seguinte) e que também se impeça o tráfego dessas cargas sob condições climáticas adversas.

Sabel sugeriu também, para pressionar o governo estadual, que todas as instituições presentes na discussão enviassem ofício com o mesmo pedido.

Comissão de Urbanismo volta a demonstrar preocupação com cargas perigosas na Serra Dona Francisca
Sidney Sabel fala da preocupação com acidentes na Serra Dona Francisca durante reunião da Comissão de Urbanismo

Simulados

Edival e Marnio também falaram sobre a realização de um grande simulado em 2018 na região, que deveria ocorrer anualmente, embora a pandemia tenha impedido a programação dessas atividades. Os treinamentos contaram com a participação do Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville, dos órgãos da Defesa Civil, da Companhia Águas de Joinville e de outras instituições. Edival disse que foram mais de 50 viaturas e mais de 200 pessoas na ação.

O movimento chamou a atenção da população da região, que até pretendia tomar parte na simulação, porém, como Edival observou, é preciso criar consciência entre a comunidade para deixar as ações de contenção dos contaminantes sob os cuidados dos bombeiros e da Defesa Civil para evitar riscos maiores para os próprios cidadãos.

Se numa primeira linha de contenção dos contaminantes os bombeiros atuam, numa segunda linha de contenção quem atua é a Companhia Águas de Joinville. Nessa direção, o presidente da CAJ, Giancarlo Schneider, destacou que a empresa está promovendo um novo processo de capacitação sobre produtos perigosos.

Menor dependência

Entre as medidas da CAJ para limitar o risco de falta de abastecimento, a principal está relacionada a uma diminuição da dependência da estação do Rio Cubatão. A empresa já possui há algum tempo o projeto de instalação de uma nova estação de captação e tratamento de água no rio Piraí, mas no extremo sul da cidade. Com a nova estação, a projeção da Águas é de que seja possível abastecer até 25% da população da zona sul da cidade. Isso diminuiria a atual parcela de contribuição da estação de abastecimento do Cubatão de 75% para 50%.

Estrada Dona Francisca

A via é uma das mais antigas de Joinville e margeia o Rio Cubatão, onde se situa a estação de tratamento de água que hoje abastece três quartos da população. O risco maior, porém, se dá em um trecho que fica pouco mais de quatro quilômetros antes da estação, onde a distância entre a estrada e um braço do rio chega a ser menor que 80 metros.

Para se ter uma ideia da importância dessa estação, para se ir do bairro Adhemar Garcia, onde Gonçalves mora, até a estação que abastece o bairro, é preciso percorrer pelo menos 23 quilômetros.

A estrada é o principal acesso de Joinville ao planalto norte, em especial a cidades como Rio Negrinho e São Bento do Sul. Como todas essas cidades possuem empresas que lidam com produtos com esse potencial.

Histórico

Os debates sobre o risco de um acidente que pudesse comprometer o abastecimento de água em Joinville a esse ponto já ocorrem na Câmara há bastante tempo, mas um ponto importante foi a realização do Seminário da Água, em março de 2015. O encontro deu origem a uma carta que, entre outras preocupações, já tinha a seguinte ação como meta: “O Estado de Santa Catarina tem de proibir o tráfego de cargas tóxicas e aumentar a segurança da Rodovia SC-418 (Estrada Serra Dona Francisca), e também formular planos de contingência para prevenir a contaminação do Rio Cubatão em eventuais acidentes.”

Em 2018, a Comissão de Urbanismo também entrou no tema e fez uma grande discussão com o Departamento Estadual de Infraestrutura, o Instituto de Meio Ambiente, o Conselho Municipal de Meio Ambiente, o Conselho Gestor da Bacia Hidrográfica do Rio Cubatão, a Polícia Militar Rodoviária (PMR), a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Sama), a Defesa Civil e a Companhia Águas de Joinville.

Proponente do seminário, o ex-vereador Fábio Dalonso (PSD) também sugeriu a criação de uma comissão especial em 2018 para analisar a situação do abastecimento de água em Joinville, cujo relatório final voltou a apresentar como medida a restrição do “trânsito de caminhões com cargas altamente poluentes (p. ex. carga de material tóxico) na Serra Dona Francisca, a fim de evitar a contaminação acidental dos cursos d’água existentes na região, responsáveis pelo abastecimento substancial do município de Joinville”.

Ainda em 2019 houve uma grande discussão promovida pela Comissão de Urbanismo, que evidenciou a diferença de visões entre o governo municipal e o estadual sobre a estrada. De janeiro a setembro daquele ano, 125 acidentes tinham sido registrados na Dona Francisca.

Dalonso também protocolou o Projeto de Lei nº 17/2019, que deu origem à Lei Municipal nº 8.773/2019.