Vereadores fizeram nesta quinta-feira (15) um apelo para que sejam suspensos os processos de demolição de construções que estejam a menos de 30 metros de margens de cursos d’água até a realização de estudos que permitam averiguar a situação desses locais como parte da área urbana consolidada. Isso ocorreu em uma audiência pública da Comissão de Urbanismo realizada com o fim de evitar demolições.

A preocupação dos parlamentares é principalmente com os munícipes de baixa renda que não tenham a sorte de ter algum interessado com condições de bancar os estudos na mesma microbacia. Isso porque os estudos podem ser bancados por particulares que “adotem” uma determinada microbacia.

Embora o objetivo desse particular se restrinja a um único imóvel, os demais proprietários com imóveis localizados na região podem tirar proveito do mesmo estudo, caso este chegue a embasar um decreto de atualização da área urbana consolidada.

Presidente da Comissão de Urbanismo, o vereador Diego Machado (PSDB) disse que “o que preocupa é quando esses estudos socioambientais vão chegar naquelas áreas mais carentes, onde os empreendedores e as construtoras não têm um interesse econômico direto”.

A audiência foi proposta pelo vereador Cassiano Ucker (União Brasil) e mobilizou representantes das secretarias de Meio Ambiente (Sema) e de Habitação (Sehab), da Procuradoria-geral do Município (PGM) e da Defensoria Pública de Santa Catarina. Empresas do ramo imobiliário e de licenciamento e munícipes interessados na regularização de imóveis nessas condições também acompanharam a reunião.

A nova lei

Em abril deste ano entrou em vigor a Lei Complementar nº 601/2022, que cria diretrizes sobre o limite de ocupação de margens de cursos d’água na área urbana consolidada de Joinville. A nova legislação é o que pode permitir regularizações que, até então, eram proibidas.

Ações movidas pelo município com base nas regras anteriores, inclusive, já renderam discussões que chegaram na Câmara de Vereadores de Joinville, como as que envolveram tensões do risco de demolições no bairro Fátima.

Entretanto, a lei sugerida pela Prefeitura e aprovada pela Câmara atua no âmbito das diretrizes, deixando outros aspectos para regulamentação infralegal. É o caso dos decretos que vão ter como base os diagnósticos socioambientais por microbacias hidrográficas, o documento que vai atualizar a área urbana consolidada.

Cada estudo pega uma fração da cidade (uma microbacia), que corresponde à abrangência de uma rede de nascentes e rios, regatos e córregos, galerizados ou não. São mais de 200 as microbacias na cidade. À medida que esses estudos forem completados, mais proprietários poderão requerer os benefícios da nova lei.

Conforme a procuradora-geral do município, Christiane Schramm Gusso, ações de demolição estão suspensas até 31 de outubro. Gusso ainda observou que a PGM atua em mais de 105 mil processos judiciais, dos quais 200 envolveriam questões de demolição.

O prazo de 31 de outubro foi definido em decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. A decisão prorrogou os efeitos da Lei Federal nº 14.216/2021, que proíbe desocupações durante a pandemia. O prazo original da lei era 31 de dezembro do ano passado e vem sendo prorrogado pelo STF desde então. Há previsão de decisão no Plenário da corte sobre o tema para os dias 4 e 5 de agosto.

A defensora pública Gabriela Souza Cotrim observou que a Defensoria Pública de SC está agindo para segurar eventuais demolições e que o município tem sido instado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina a se posicionar em razão da Lei Complementar nº 601/2022. Cotrim ainda afirmou que deve ser responsabilidade do município a realização dos estudos, uma vez que a população de baixa renda vai ter dificuldade para custeá-los.

A defensora também aproveitou a oportunidade para pedir que os vereadores tenham atenção para não incluir entre as exigências técnicas de leis procedimentos que possam onerar muito essas populações.

Sobre todo o processo, o vereador Neto Petters (Novo) comentou, após análises com representantes de Sema e de outros órgãos: “em um dado momento ficou muito claro para nós, que nós precisávamos muito mais de uma lei robusta, uma lei que desse segurança jurídica do que velocidade e desburocratização, aqui nesse caso, porque a segurança jurídica é mais importante para evitar esses transtornos”.

O que são esses estudos?

Os documentos que podem permitir a regularização dessas construções em margens de rios dentro da zona urbana são os diagnósticos socioambientais por microbacias hidrográficas. Tratam-se de estudos detalhados que têm a finalidade de avaliar o quanto um determinado curso d’água exerce de “funções ecológicas” na zona urbana consolidada.

Caso essas funções sejam consideradas perdidas, a distância mínima a ser observada pode ser de 15 metros, em casos de macrodrenagem, e de até cinco metros, nos casos de microdrenagem.

A Prefeitura disponibiliza uma página na qual é possível verificar a evolução dos requerimentos desses estudos, em qual fase estão e até mesmo em quais microbacias ainda não há interessados na realização desses estudos. Existem 216 microbacias na zona urbana de Joinville.

Dessas microbacias, 36 possuem diagnósticos iniciados, sendo que oito deles já estão sob análise do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comdema), que deve analisar os estudos e aprová-los ou reprová-los. Se aprovados, os estudos dão origem a um decreto do prefeito que, quando publicado, vai atualizar as informações da área urbana consolidada.

Um único estudo já completou toda essa trajetória, que é o da microbacia 13-3, chamada de “Pedro Lessa”, no bairro Boa Vista, em razão das nascentes que circundam a rua homônima. Diferentemente dos demais, é um estudo que foi elaborado por técnicos da Sema.

Nessa direção, Machado e Ucker pediram ao secretário de Meio Ambiente, Fabio Jovita, um esforço para que os próximos estudos do órgão tenham como foco as áreas com maior risco de demolição.