Apesar de a sigla significar Lei de Ordenamento Territorial (LOT), ainda não se trata de uma lei. O que chamamos de LOT é um projeto de lei complementar. Por ser um projeto, está sob análise dos vereadores. E é preciso destacar que se trata de um projeto, ainda que não o chamemos de Plot, como faria mais sentido dentro do processo legislativo, porque a cidade já o conhece como LOT a partir dos meios de comunicação. É preciso ressaltar, todavia, que o texto ainda pode sofrer mudanças durante a tramitação na Câmara, a partir das emendas dos vereadores. Então, vamos responder algumas questões sobre a LOT:

1. O que é LOT?

A proposta geral da LOT é redefinir, em termos legais, o uso da terra em Joinville. Isso quer dizer que, por meio da LOT, muitos terrenos da cidade podem passar a ter novas permissões em termos de edificação e de atividade. Além da definição de para o que deve servir cada terreno, a LOT também determina como se pode construir e como se pode parcelar e desmembrar os terrenos, determinando como podem surgir loteamentos, por exemplo.

Atualmente, a lei que define essas questões é a Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos), que está em vigor desde 1996 e passou por uma significativa modificação em 2010, quando ganhou nova redação. Na ocasião, passou a valer também um novo limite do perímetro urbano, isto é, a linha que separa a cidade do campo.

2. Quem fez o texto?

O texto do projeto da LOT atualmente analisado pela CVJ é de autoria da Prefeitura, tendo sua minuta inicial produzida pela Fundação Instituto de Pesquisa e Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville (Fundação Ippuj). A minuta foi remodelada em 102 reuniões realizadas no Conselho da Cidade (órgão da Prefeitura que reúne 70 membros, dos quais 41 da sociedade civil e 29 do Poder Público municipal que tratam de questões urbanas) para debater o tema. O conselho realizou também 16 audiências públicas em diferentes regiões da cidade para recolher sugestões de moradores antes de o texto ser encaminhado para a CVJ.

Confira a documentação das audiências públicas realizadas em 2014 e 2015 pelo Conselho da Cidade.

Esta não é a primeira tentativa de se fazer a LOT. Em 2011, uma versão chegou a iniciar a tramitação na CVJ, mas foi retirada por recomendação do Ministério Público pela falta de audiências públicas. Também houve entrave em 2012 porque o Judiciário considerou ilegal a prorrogação do mandato de membros do Conselho da Cidade.

3. Por que precisa de tanta discussão?

Ainda que de imediato não pareça tocar tão profundamente na vida do cidadão, em especial se se considerar o caso específico de cada cidadão, em termos coletivos o projeto pode implicar grandes mudanças. É preciso levar em conta que as definições da LOT implicam mudanças físicas que vão desde a possibilidade de implantação de um comércio ou indústria numa área antes residencial ou vice-versa. Também pode acarretar o possível surgimento de um grande condomínio na área ubana ou a possibilidade de que áreas da zona rural sejam destinadas à preservação permanente ou à exploração controlada (sobre agricultura, por exemplo, a equipe de jornalismo da CVJ produziu uma reportagem sobre como o projeto da LOT afetaria a vida de um agricultor da Estrada Timbé).

Mas uma questão legal impõe, de antemão, a abertura de discussão. Isso porque projetos que podem alterar o zoneamento devem passar por audiência pública, conforme o Estatuto da Cidade. Essas audiências, além das próprias reuniões de comissão da CVJ, são espaços nos quais os cidadãos que queiram entender melhor o que a LOT pode afetar em suas vidas, podem participar e sugerir modificações.

No ano passado, a CVJ realizou uma audiência pública no dia 8 de dezembro. Além da discussão das emendas em vigor na ocasião, também foi debatida a sugestão do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Comde), para que o projeto tenha adequações ao Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Assista na íntegra a audiência pública sobre o projeto da LOT realizada pela CVJ.

Há mais coisas a serem levadas em consideração, como, por exemplo, o conceito de adensamento populacional na região central, que pode permitir a construção de edifícios de até 45m de altura em uma grande área da região central de modo a reconcentrar a população no centro da cidade. A tendência urbanística na década de 1970 era de esvaziamento das áreas centrais, conforme o arquiteto e urbanista Vladimir Tavares Constante, atual diretor-presidente da Fundação Ippuj.

Outra consequência possível da LOT, a partir do adensamento é a tendência de concentração do fluxo de transporte, em especial na área central.

4. Por que ele passará pelas comissões?

Regimentalmente, toda proposição deve passar pela análise das comissões. Não se trata de uma regra criada à toa. O Poder Legislativo mantém grupos de trabalho porque nem todos os parlamentares conseguem analisar a fundo todas as proposições. As comissões deliberam pareceres favoráveis ou contrários aos projetos, dentro da área que lhe competem. Assim, a LOT deve tramitar pelas comissões de Legislação, que verificará se ela está conforme à Constituição e às demais leis em vigor; e pela de Urbanismo, que verificará se as normas se aplicam às condições atuais da cidade.

Conheça mais a fundo as comissões da CVJ.

O parecer de Legislação pode determinar a continuidade ou não da tramitação. Se um parecer contrário for aprovado, por exemplo, a tramitação é suspensa e o parecer contrário deverá ser discutido e votado em Plenário. Se derrubado o parecer, o texto volta para discussão nas outras comissões com as quais o projeto tem relação. Isso vale para todos os projetos de lei na Casa, ordinários ou complementares. No caso específico da LOT, o texto está previsto para passar também pela Comissão de Urbanismo. Havendo parecer contrário nessa comissão, o processo é o mesmo, mas se houvesse mais comissões pelas quais o projeto devesse passar, os pareceres contrários seriam votados em conjunto. Os pareceres, favoráveis ou contrários, atuam como peso a ser considerado na votação em Plenário pelos parlamentares.

5. Quais são as questões mais discutidas?

Especulação imobiliária;
geminados;
altura dos edifícios;
outorga onerosa;
paisagem urbana;
expansão da área urbana;
preservação ambiental;
regularização fundiária;
faixas viárias.

Por que?

Vamos por pontos:

1) Especulação imobiliária: é um ponto polêmico porque pode envolver a valorização artificial de terrenos em determinadas regiões da cidade, o que pode elevar, em vez de baratear, custos de moradia, indo da compra e venda de imóveis ao aluguel. Mesmo antes da aprovação da lei, alguns terrenos já podem estar sendo avaliados acima do que seria estimado por conta do seu potencial construtivo;

2) Geminados: essa categoria imobiliária interessa particularmente a pequenos construtores. A questão é polêmica porque os construtores pretendem ter uma frente mínima menor do que a proposta no projeto;

3) Altura dos edifícios: a noção de adensamento da área urbana, já mencionada, implica a ideia de verticalização da cidade. Em suma, isso representa o incentivo à construção de edifícios mais elevados que os atuais em regiões centrais da cidade. Nessas áreas, que no texto recebem o nome de Área Urbana de Adensamento Prioritário (Auap), passaria a ser admitida a altura de 45m para as edificações (equivalente a um edifício de aproximadamente 15 andares). A maior altura possível atualmente, conforme a Luos, é de 18 andares, mas somente no Centro e em parte dos bairros Bucarein, Anita Garibaldi e Atiradores. Essa área, um pouco expandida, continuaria a ser considerada prioritária para o adensamento, conforme o texto original da LOT. Mas o potencial construtivo de 45m de altura se tornaria possível também em áreas de bairros como Floresta, Iririú, Boa Vista e Glória, por exemplo;

4) Outorga onerosa: como mencionado antes, há uma altura máxima para edificação em cada região da cidade. O nome dessa altura, descontado o acabamento da edificação, é chamado de gabarito. Para algumas áreas, esse gabarito máximo pode ser acrescido de 50%, desde que o construtor/proprietário se disponha a indenizar a Prefeitura por permitir essa edificação acima do estabelecido. E essa indenização, que tem o nome legal de outorga onerosa, se dá pela metragem construída. Isso seria possível, além das Auaps, nas faixas viárias (áreas de maior circulação), setores especiais de interesse público (áreas de concentração de unidades de atendimento do serviço público) e nas áreas dentro do raio de até 200m dos terminais de ônibus (setores especiais de mobilidade urbana). No caso das Auaps, em particular, isso elevaria o potencial construtivo a 67,5m, próximo dos 22 andares. Mas esse tipo de construção só seria permitido em terrenos onde as ruas tenham, incluindo calçadas, a extensão mínima de 15m. Esse fator também pode influir sobre a especulação imobiliária;

5) Paisagem urbana: esse ponto é, em parte, consequência dos dois anteriores. A verticalização pode modificar, visualmente, a aparência da cidade. Outra questão é a manutenção de cinturões verdes que margeiam a cidade;

6) Expansão da área urbana: em parte da atual área rural que margeia a Zona Sul e em áreas próximas aos bairros Jardim Sofia, Jardim Paraíso e Aventureiro, o texto do projeto da LOT prevê áreas de expansão urbana, o que significa que essas áreas podem passar a ser urbanas, mediante apresentação de projeto de lei posterior que as transformem em áreas urbanas. É polêmico porque envolve, também, a elevação de valores dos terrenos;

7) Preservação ambiental: há três áreas que são focos da preservação ambiental no município, conforme o consultor de urbanismo da CVJ Marlon da Silveira: a Cota 40, a região de mangues e a região dos mananciais. A preservação ambiental assegurada para a cota 40 (isto é, dentro da área urbana nada pode ser construído acima de 40m acima do nível do mar) está vigente desde 1973, ano do primeiro Plano Diretor de Joinville. A área dos mangues engloba toda a região do município banhada pela Baía da Babitonga, enquanto a região dos mananciais engloba grande área da Serra Dona Francisca, onde estão nascentes importantes como as dos rios Cubatão e Piraí. Ambas as áreas são protegidas por leis federais. Porém, há previsão de potenciais construtivos em alguns trechos dessas regiões, de forma controlada;

8) Regularização fundiária: O ponto se torna polêmico porque há famílias que moram em áreas nas quais não podem, por conta do zoneamento, ter acesso às redes de energia elétrica e de água, por exemplo. A possibilidade de atender essa população seria a criação de um Setor Especial de Interesse Social (Seis), áreas destinadas à regularização fundiária. O projeto da LOT admite a criação de setores especiais do tipo, mas não prevê nenhum por agora;

9) Faixas viárias: trata-se, basicamente, de uma área que acompanha as ruas designadas com este zoneamento, abrangendo 100m para cada lado da via. Nessas áreas, o projeto prevê a possibilidade de outorga onerosa, isto é, aquela indenização ao município para permitir construção um pouco acima do permitido. É possível que haja pressões para que um maior número de ruas seja definido como faixa viária, bem como para que algumas deixem de ser.

6. Quais os setores interessados na LOT?

Seria simples dizer que todos os setores estão, de alguma forma, interessados no projeto da LOT, mas os que mais têm se mobilizado até o momento são os da construção civil, o das imobiliárias, bem como associações empresariais e comerciais como Acij, CDL e Ajorpeme.

7. O que ela pode mudar na cidade objetivamente?

Por conta das mudanças no zoneamento, ela pode permitir que determinados tipos de serviços sejam oferecidos em áreas nas quais anteriormente não eram, bem como determinados tipos de construção. A mudança pode implicar modificações na liberação de alvarás de funcionamento e de construção, o que pode acarretar mudanças na abertura e fechamento de empresas conforme a área. Também pode haver impacto nas negociações de compra e venda ou aluguel de terrenos, casas e apartamentos e no próprio valor de cada terreno.

Pensando em consequências ampliadas, é preciso levar em conta a própria organização espacial da cidade. A proposta da LOT sugere concentração populacional na região central por meio da verticalização, o que, presume-se, pode modificar o fluxo do trânsito na cidade, à medida que diminui o tempo de deslocamento entre a moradia e o posto de trabalho do cidadão. Também pode ocorrer ampliação de negócios e geração de renda nos bairros da cidade, em especial por conta das permissões específicas das faixas viárias.

8. Quanto tempo ela pode ficar em discussão na Câmara?

Não há como determinar um prazo. A tramitação da LOT segue o trâmite normal, assim como a maioria das proposições do Legislativo. Os projetos de lei que têm prazo determinado para votação são aqueles que estão em regime de urgência e as leis orçamentárias. Voltando à LOT, o debate deve ser mais intenso por conta da obrigatoriedade da realização de audiências públicas para alterações no zoneamento, medida necessária conforme o Estatuto da Cidade. O que há atualmente é o esforço para votar o projeto antes do recesso de julho. Acordo entre os vereadores indicou o dia 15 de abril como data limite para apresentação de emenda.

Embora já tenham sido realizadas 16 audiências públicas pela Prefeitura para a confecção do projeto que está hoje na Câmara, serão necessárias audiências públicas para discussão das emendas apresentadas pelos vereadores. Nessas discussões, a comunidade poderá se manifestar para dizer se está de acordo com as mudanças. Para facilitar as discussões, as emendas podem ser agrupadas por assunto ou finalidade. Das emendas em análise na Comissão de Legislação até aqui, todas tocam, de alguma forma, no zoneamento.

Uma vez que parecer favorável ao projeto seja aprovado pela Comissão de Legislação, o projeto pode ter de retornar à comissão caso nova emenda seja feita. Depois de passar pela Comissão de Legislação, o texto ainda deverá passar pela Comissão de Urbanismo, antes de ir a Plenário. Os vereadores podem propor emendas até o encerramento da discussão em Plenário, isto é, até o momento em que o projeto for efetivamente votado.

9. O que ela mudaria para os edifícios?

A aprovação do projeto da LOT modificaria não somente a altura dos edifícios, mas também a forma da sua construção à medida que estabelece áreas máximas de ocupação do terreno, áreas mínimas para vazão da água da chuva (taxa de permeabilidade), áreas de vagas de estacionamento, entre outros índices.

10. O que ela mudaria para o trânsito?

A modificação da LOT para o trânsito não é uma consequência direta. Como ela sugere adensamento populacional na região central, isso pode significar também maior concentração do tráfego nessas áreas, mas também ampliação da oferta de vagas que permitam proximidade entre trabalho e lar, o que poderia diminuir o tráfego.

11. O que ela mudaria para o meio ambiente?

O projeto da LOT trata da ordenação territorial e não propriamente do meio ambiente, mas, como meio de proteger áreas de preservação, o projeto pode delimitar essas áreas como zonas especiais de proteção. Isso pode evitar contradições entre a lei municipal e as federais. Já estão definidos na LOT como áreas de proteção as da Cota 40, que se refere às áreas de proteção acima de 40m do nível do mar e que estão dentro da área urbana; a zona dos mangues, que se refere ao encontro dos limites do município com a Baía da Babitonga; e a zona dos mananciais, que abrange uma grande área da Serra Dona Francisca dentro do município.

12. E tudo o que é referente a urbanismo termina com a aprovação da LOT?

Não. Outras leis ainda deverão passar pela CVJ, que estão previstas pelo Plano Diretor, como a que define o IPTU progressivo (dentre outras coisas, essa lei aumentaria, anualmente, a taxação de terrenos baldios que não estejam sendo utilizados com a finalidade de estimular a ocupação da área urbana). A minuta está em estudo na Fundação Ippuj. Bem como uma lei que define regras para a outorga onerosa.

Texto: Sidney Azevedo / Revisão: Jeferson Luis dos Santos / Foto: Nilson Bastian.

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